Por Arthur Lobo
O início do isolamento social, ocasionado pela pandemia da Covid-19, e o decreto da Prefeitura de Belo Horizonte, que definiu o fechamento de bares, restaurantes e o cancelamento de eventos com aglomeração, levou os consumidores moderados e alcoólatras a beberem em casa.
A partir do olhar epidemiológico, o Dr. Frederico Garcia, que é psiquiatra e coordenador do Centro de Referência em Drogas da UFMG, aconselha que as pessoas não bebam de maneira alguma, principalmente em reclusão.
Renata Brasil, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), revela que o alcoolismo atinge 12,4% da população brasileira e essa dependência está ligada a riscos de saúde como acidentes de trânsito, comportamentos violentos, doenças cardiológicas e neurológicas.
No dia 22 de maio, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou dados do projeto ConVid – Pesquisa de Comportamento, que analisou as mudanças de comportamento da sociedade brasileira durante a pandemia do novo coronavírus. Ao todo, 44.062 pessoas participaram da pesquisa, de abril a maio, e os dados revelam que 18% dos entrevistados aumentaram o uso de bebidas alcoólicas. O maior aumento no consumo é de 26%, entre as pessoas de 30 a 39 anos, já o menor está entre os idosos, em 11%.
Moradores da região Oeste de BH relatam que passaram a beber dentro de casa, devido ao isolamento social, mas o fator financeiro também influenciou.
Esse é o caso de Leonardo Guedes, de 43 anos, morador do Bairro Palmeiras. Ele diz que aumentou seu consumo no início da pandemia, bebendo duas caixas de cerveja por fim de semana, mas parou de beber. “Meu salário caiu pela metade e não temos nada para comemorar, pelo contrário, a pandemia é muito triste”, afirma Leonardo.
Seu vizinho, Luiz Reis, de 54 anos, sempre bebeu em casa, mas também diminuiu seu consumo por falta de renda. Antes da quarentena, ele bebia cerca de cinco caixas de cerveja por mês, hoje seu consumo baixou pela metade. “Com certeza o financeiro está abalado, fiquei cinquenta dias sem trabalhar, sou autônomo e quando não tem trabalho não tem dinheiro”.
Luiz Reis assume ser sedentário, que tem dores corporais, pois ele é taxista e trabalha sentado, o que o faz sentir falta de exercícios físicos. Segundo o professor de Educação Física, Juliano Lopes, a principal consequência de se beber em casa sem praticar atividades físicas é a obesidade.
“As consequências da obesidade são pressão alta, colesterol alto, batimento cardíaco acelerado. É muito preocupante as pessoas estarem em casa e ingerindo bebida alcoólica, isso vai gerar, no presente e no futuro, um transtorno enorme na vida desses indivíduos”, alerta Juliano Lopes.
Rafael Soares, de 20 anos, morador do bairro Buritis, está bebendo apenas em casa, mas com menos frequência do que antes. “Meu consumo diminuiu, estou bebendo 10 garrafas de 600ml por mês, o fator econômico também influenciou”. Rafael tem realizado corridas com frequência e afirma estar se sentindo bem fisicamente, apesar do confinamento.
A pesquisa divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também mostra que 62% da população Brasileira não está praticando atividades físicas. Antes da pandemia, 30% realizava suas atividades de intensidade moderada por mais de 150 minutos por semana (tempo recomendado pela OMS) e, agora, apenas 13% está cumprindo a recomendação.
O professor Juliano Lopes afirma que a atividade física ajuda o dependente químico a ficar menos ansioso, ocupando sua rotina, além de proporcionar prazer e isso ajudar a diminuir o consumo de álcool.
Mas, os riscos vão além do aspecto físico. O Dr. Frederico Garcia diz que o período de quarentena é caracterizado também pelo aumento da ansiedade, dificuldades de sono e problemas de relacionamento. Diante desta rotina, o álcool pode aparecer como uma alternativa fácil e simples para resolução de problemas, mas ao invés de resolver, ele vai gerar ansiedade de rebote, insônia e uma série de dificuldades que podem surgir deste consumo regular de bebida alcoólica. O que, na pior das hipóteses, pode virar uma dependência química.
“Várias pesquisas no mundo revelam que houve um aumento no consumo de álcool, quantitativo, durante o período de quarentena. As pessoas que têm dependência química devem continuar ou iniciar um tratamento, procurando pela ajuda de psiquiatras e psicólogos pelos canais digitais”.
“Como pesquisador do tema e do ponto de vista epidemiológico, minha orientação é: não beba de forma alguma ou evite o máximo possível”, completa o psiquiatra.
Em Belo Horizonte, os comerciantes reafirmam que o consumo de álcool está acontecendo dentro das casas. Alexandre Bruzz, gestor de marketing e vendas da Krug Bier, afirmou que houve uma queda de 80% na venda para varejo, pois as cervejarias artesanais necessitam de bares e eventos. Segundo ele, atualmente, apenas o atacado está vendendo de forma razoável. “As pessoas têm bebido em casa, desde o início da quarentena (março), até porque restaurantes e bares não podem vender bebidas alcoólicas”, explica Alexandre Bruzz.
Do lado dos distribuidores de bebidas, a realidade é um pouco diferente, pois o atacado está em baixa e a venda para varejo melhorou com o auxílio do delivery. João Junior, gerente de vendas da BH Delivery, revela que houve uma queda de 30% do faturamento esperado para o período de março a junho, em relação a 2019. Mas, o consumo familiar aumentou, o que fez as vendas no varejo subirem. “O delivery está vendendo mais que o normal, mas com baixa quantidade de produtos”, diz João Junior.
Fausto Vasconcelos, proprietário da distribuidora de bebidas Tonel Bebidas, relata que as vendas aumentaram, mas com baixa margem de lucro. Antes, ele vendia muito para bares e restaurantes, e teve que mudar sua metodologia de vendas. Após o início da quarentena, ele aderiu ao aplicativo da Ambev, o Zé Delivery, que fez suas vendas aumentarem consideravelmente. Assim como a distribuidora BH Delivery, ele não está vendendo para atacado e se mantém com o varejo.
“Percebo que as pessoas estão bebendo mais. Faço, em média, 80 entregas por dia no delivery, no valor de 50 reais em média, entre vinhos, destilados e cervejas”, diz Fausto Vasconcelos.
Segundo a pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), no Brasil, as vendas das distribuidoras de bebidas aumentaram 38%, e nos supermercados, 27%.
E as mudanças nas vendas não aconteceram apenas com vinho e cerveja. Segundo Amanda Salomão, fiscal da Cachaçaria Prosa Mineira, a demanda para varejo também aumentou, mas as vendas para atacado caíram. Porém, desde o início da quarentena, o percentual de prejuízo baixou de 90% para 40%.
Felipe Corrêa, sócio diretor da Cachaçaria Coluninha, assim como os demais empresários, também revela que a venda para distribuidores, bares, restaurantes e casas de eventos caiu, contudo, as vendas para supermercados melhoraram. Ele disse que vende para o grupo DMA (EPA e Mineirão Atacarejo) e essa rede de supermercados atacadista e varejista está comprando mais, em relação ao mesmo período do ano passado. Ele afirma que as vendas para supermercado, que representavam 75% do faturamento da empresa, agora são 95%.
“Na venda para supermercados, o lucro é menor, mas o giro é muito maior. Podemos concluir que os clientes estão comprando nos canais que podem ficar abertos nesse momento e consumindo em casa”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselha as pessoas a não beberem durante a pandemia da Covid-19, pois prejudica a imunidade, além de poder gerar brigas dentro das residências. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH), o número de denúncias de violência contra a mulher, por meio do número 180, cresceu 40% em relação ao mesmo mês de abril de 2019. Já em estudo realizado nos órgãos de segurança de 12 estados do país, os casos de feminicídio aumentaram em 22%, de março a abril. De acordo com a OMS, governos e empresas deveriam reduzir a venda de bebidas alcoólicas neste período.
Confira o vídeo com as entrevistas completas do educador físico Juliano Lopes e com o psiquiatra Frederico Garcia.
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