Por Alexandre Santos e Iris Aguiar
No dia 05 de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 591/21 do Executivo. Tal projeto aprova a concessão de todos os serviços postais para a iniciativa privada. A proposta estabelece as condições para que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) seja privatizada e remete a regulamentação do setor à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
A privatização da estatal tem repercutido de maneiras diferentes entre os funcionários, população e políticos. Uma das razões oferecidas para a desestatização da ETC se baseia no argumento de que quando iniciativas privadas são capazes de oferecer os serviços, cabe a elas esse papel e não ao Estado.
Os Correios, atualmente, detêm o monopólio de serviços de envio de cartas e telegramas, mas já existem empresas privadas em concorrência na entrega de encomendas. A estatal, em 2020, obteve o lucro bilionário estimado em R$1,5 bilhões, mas existe uma argumentação que esse não é um motivo para deixar de privatizar quando há interesse e capacidade do setor privado para atuar no respectivo ramo.
Existem, no entanto, preocupações que envolvem este processo de privatização, que devem ser analisadas com cuidado. O texto do projeto proíbe o fechamento de agências postais em municípios pequenos e locais remotos, entretanto o preço dos fretes tende a aumentar, já que os preços das tabelas da ECT eram aqueles que regulavam os demais preços das empresas privadas que, para manterem a concorrência, não poderiam aumentar muito o valor dos serviços.
Embora seja dito no Projeto de Lei que os trabalhadores dos Correios não poderão ser demitidos sem justa causa por 18 meses depois da venda da empresa, e deverão contar com plano de demissão voluntária (PDV), a falta de estabilidade ainda é um fator que preocupa diversos trabalhadores, que por anos trabalharam para a ETC.
Para o diretor do Instituto de Pesquisa GIGA e fundador do Núcleo de Estudos Aplicados e Sociopolíticos Comparados (NEASPOC) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Adriano Cerqueira, o impacto da privatização dos correios para a população vai depender da forma como o processo será conduzido.
“Tudo vai depender do modelo adotado e da disponibilidade das empresas em investir no setor. Da mesma forma que aconteceu com a telefonia no Brasil, em que existia uma empresa estatal com baixa capacidade de investimento que obrigava quem desejava ter linha a virar uma espécie de acionista. Com a privatização, a expansão do acesso explodiu e manteve a mesma qualidade”, pontua o pesquisador.
Questionado sobre qual seria a possível motivação do governo para a desestatização da instituição, uma vez que ela é altamente lucrativa, Adriano pondera que uma empresa que não é lucrativa não vai ser vendida, porque não haverá nenhum ganho com isso.
Ele explica que, caso uma empresa que não dá lucro seja vendida, o comprador assume suas dívidas, por isso, é como se essa empresa estivesse sendo vendida por apenas um dólar. “Então, o governo pretende transferir esse custo para a iniciativa privada, que assumirá as operações e ficará responsável por expandir os sistemas, deixando o governo mais focado nos gastos com educação, saúde e segurança, que são prioritários para o Estado”, finaliza.
A votação do Projeto de Lei 591/21, cujo o relator é o deputado Gil Cutrim (Republicanos – MA), aconteceu na Câmara dos Deputados no último dia 5 de agosto, sendo aprovado com 286 votos favoráveis e 173 contrários. Com isso, agora a proposta segue para o Senado Federal, onde será debatida pelos membros da Câmara Alta. Depois disso, caso seja aprovado, o projeto será encaminhado para sanção do presidente da república, Jair Bolsonaro (sem partido).
O PL foi entregue pelo próprio presidente da república ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), no dia 24 de fevereiro deste ano.
Na ocasião, Lira declarou esperar uma discussão transparente, limpa e justa para o povo brasileiro. A União deverá prosseguir com apenas uma parte das atividades, chamada de “serviço postal universal”, que compreende cartas e telegramas. A atividade será desempenhada pelos Correios que, se aprovado, se tornará sociedade anônima e passará a se chamar Correios do Brasil S.A.
De acordo com o portal Agência Câmara de Notícias, o governo só manterá uma parte dos serviços porque a Constituição obriga a União a ter serviço postal e correio aéreo nacional. Para fundamentar a aprovação do PL, o Executivo argumenta que o Governo Federal não tem “capacidade fiscal para fazer investimentos na empresa”.
Em entrevista, Felipe*, um dos funcionários dos Correios da Região Oeste de Belo Horizonte, opina que, caso o PL seja de fato aprovado, haverá um apagão postal, o que significa a retirada do direito dos menos favorecidos ao recebimento de suas cartas e encomendas, afinal, os Correios são a única empresa de logística que está presente em todos os municípios do território brasileiro.
“Nós, funcionários, perdemos cerca de 50 cláusulas do nosso acordo coletivo. O atual governo vem tirando direitos da categoria para forçar o desligamento dos servidores, com o intuito de sucatear a empresa e colocar a opinião pública contra os servidores para que o processo de privatização não tenha tanta dificuldade para ser aprovado. O impacto da privatização para os trabalhadores será o desemprego em massa e, para os que ficarem, será a redução de seus salários e benefícios que já não são altos”, relata o funcionário.
Questionado sobre como a notícia da possível privatização foi recebida, ele é enfático: “com muita tristeza, primeiro porque o medo do desemprego entristece qualquer ser humano, e segundo por saber que a prestação do serviço público de qualidade que era oferecido a toda população não mais será e as pessoas pagarão a conta por causa de interesses políticos”, observa.
João*, outro funcionário dos Correios, que também trabalha na Região Oeste de BH, explica que os Correios trabalham de forma a garantir que todo cidadão, de todas as regiões do país, tenha suas encomendas enviadas e recebidas. Assim, o trabalhador se preocupa com a permanência dessas políticas na empresa, uma vez que a iniciativa privada visa, primordialmente, o lucro.
“Hoje, os Correios cobram um pouco mais caro para fazer uma entrega aqui no Sudeste, pois com esse dinheiro é possível fazer entregas em lugares mais distantes cobrando um preço menor, para outras pessoas também poderem enviar suas encomendas. O que nos resta saber é se essa nova empresa vai fazer isso e se manterá as agências dos Correios em todos os cantos do país”, observa.
João* também ressalta que o serviço prestado pelos Correios também abrange a retirada de documentos, pagamento de contas, entrega de livros, material didático, vacinas, remédios, leite e das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Por mais que sejam contratos com os órgãos responsáveis por essas pastas, é um dinheiro que sai de um Ministério para outro Ministério, então o dinheiro fica dentro do Governo Federal. Com a venda dos Correios, isso não vai acontecer e o governo vai gastar com essa demanda social. Será mais um custo”, pondera.
O processo de venda ou fechamento de uma empresa estatal controlada diretamente pela União é complicado e pode levar até dois anos. As etapas obrigatórias para este processo incluem a elegibilidade para parcerias e planos de investimento, inclusão no Plano Nacional de Desestatização (PND), estudos de modelagem e viabilidade econômica, consulta pública, análise do Tribunal de Contas da União (TCU) e publicação de edital.
Algumas empresas estatais controladas diretamente ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso. A situação dos Correios é um exemplo. Outras empresas estatais já foram ou estão na mira para a privatização, veja as empresas que estão nesta lista:
A história dos Correios é bem mais antiga do que podemos imaginar e está diretamente ligada à história do próprio país. Considerada uma das empresas com mais credibilidade entre os clientes brasileiros, sua inauguração aconteceu no dia 25 de janeiro de 1663, apenas um século após a descoberta das terras tupiniquins.
O Correio da Capitania do Rio de Janeiro, como era conhecido, foi criado para desempenhar o serviço postal durante o período colonial, com o intuito de simplificar a comunicação entre o Brasil e a capital do império, Portugal. Com todos os processos históricos que o país atravessou, a modernização de seu modelo e os métodos de trabalho se tornaram inevitáveis.
Dessa forma, em 20 de março de 1969, da necessidade de um sistema mais eficaz que servisse à necessidade de todos os usuários, nasceu a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). A partir disso, a empresa passou por uma série de mudanças e implementações, como o Código de Endereçamento Postal (CEP) e o SEDEX, serviço de encomendas expressas.
Em 2001, os Correios já tinham atingido a marca de 5.561 municípios em que a empresa está presente, não havendo, até então, nenhuma outra instituição com o mesmo alcance. Agora, o Brasil aguarda para descobrir quais serão os próximos capítulos da história da empresa, que há 358 anos é a maior em serviço postal no Brasil.
*Os nomes dos funcionários dos Correios utilizados no texto são fictícios, uma vez que os colaboradores pediram para mantermos suas identidades em sigilo.
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Excelente reportagem, parabéns aos autores, trouxeram informações valiosas e esclarecedoras acerca da possível privatização dos Correios. Com o máximo respeito a opinião do diretor do Instituto de Pesquisa GIGA Adriano Cerqueira, o exemplo usado quanto a privatização do setor da telefônia é incoerente, visto que nesse modelo de serviço de fato havia o monopólio da empresa pública para a venda de linhas telefônicas e prestação do serviço de telefônia a época, o que não acontece com o serviço prestado pelos Correios, que já concorre com transportadoras para a entrega de encomendas, vale ressaltar também que a evolução tecnológica teve grande peso na melhoria dos serviços telefônicos, entretanto após sua privatização hoje estão entres os campeões em reclamações de suas prestações de serviço, é praticamente impossível resolver uma demanda quando se entra em contato com uma operadora. Quanto aos Correios, creio que a privatização de fato será muito prejudicial a população em geral, torço para que os senadores não concordem com essa proposta absurda e inconstitucional, concordo com tudo oque foi dito pelos funcionários entrevistados que trouxeram informações valiosas vislumbradas por quem de fato conhece do dia a dia de Correios, a eles ofereço meu máximo respeito.
Vale lembrar que no caso da privatização das teles, o que temos hoje é um oligopólio e umas das tarifas mais caras do mundo. No caso da Eletro no Amapá a empresa era privada e não investiu o que deveria para manter tudo funcionando, resultado apagão. Tem o caso da Mineradora Vale, que todos sabem e outro tantos por aí. A saber o Estado não irá se preocupar com educação, nem segurança, nem saúde, basta olhar o erário que deixou de ser gasto nestas pastas nos últimos 5 anos. Preocupação tem o governo, somente com os seus mais próximos.