Por Ney Felipe
Vocês sabem que jornalista não pode escolher pauta. Pois bem, chegou para mim uma pauta sobre uma linha nova, a Suplementar 92. “E agora? ”, pensei. Conversando na redação, surgiram algumas ideias, e lá fui eu para casa, pensando no que faria nessa matéria.
A semana foi passando e o dia de realizar essa pauta cada vez mais próximo. Então, o dia chegou. Saio do UniBH com a ideia em mente: “quero um vlog ao estilo Menino Mil Grau”. Para quem não conhece, Kelvin Thiago, ou Menino Mil Grau, é um jovem fanático pelo Corinthians, que faz os seus vídeos com imagens e edições impressionantes.
Desço a rua Líbero Leone em direção ao ponto de ônibus. Câmera ligada, presa ao corpo, assim como tinha sido a ideia na conversa da redação. Estava começando a viagem rumo ao bairro Esplanada.
Chego ao ponto e fico ali esperando. 20 minutos foi o tempo. Sempre o REC da câmera ligado e o pensamento em como ficariam aquelas imagens aceleradas nesse trabalho.
O ônibus chega, dou sinal, a porta se abre, subo as escadas e cumprimento o motorista, que responde sorrindo. Vou em direção à roleta e coloco o meu cartão no leitor, que logo libera a catraca. Caminho pelo corredor do ônibus vazio e sento lá na última fileira.
Nesse momento, outras ideias vão surgindo. Retiro a câmera do seu suporte e começo a fazer imagens. O motorista, ressabiado, olha pelos espelhos do ônibus, mas não fala nada.
O trajeto do ônibus é uma viagem a parte, não pela distância, mas sim uma viagem de pensamentos. O coletivo dá a volta dentro do bairro Buritis e segue em direção à zona leste de BH, passando por shoppings de alto padrão, áreas nobres da região sul da capital, com praças e monumentos, mas ali, firme em seu trajeto para uma região de características totalmente opostas a essas.
Após uma hora dentro do ônibus, chego ao ponto final, no bairro Esplanada. Já tinha imagens suficientes para uma matéria. Estava na hora de voltar para o Buritis.
Entro em outro coletivo e logo vou contando ao motorista o motivo de todo aquele equipamento. Ele até sugere que eu sente na frente com ele. Eu aceito a sugestão e vou ali, fazendo companhia.
Já no meio do bairro Esplanada, me apresento e pergunto o seu nome. O motorista responde: “Arnaldo”. E eu indago: “Só Arnaldo?” Ele volta a responder: “Arnaldo SanGiorgio, é italiano”, acrescenta.
Sentado ali, na frente do ônibus, vou conversando mais com o meu novo amigo, o Arnaldo. Ele vai me mostrando as peculiaridades do trajeto e os perigos que, algumas vezes, os motoristas enfrentam. É nesse momento que a realidade dos bairros por onde a linha passa fica mais distante.
Ainda dentro do Aglomerado da Serra, um menino dá sinal para o ônibus. Sobe sorrindo e já brinca com o motorista, o chamando pelo número de registro do veículo. O menino não se identifica, mas o Arnaldo o chama de cobrador a todo tempo. Então, o pequeno cobrador começa a conversar conosco e a contar a sua história.
O menino conta que trabalha como cobrador na linha e que o carro que iria trabalhar ia sair do final, assim que esse onde estávamos chegasse lá. Ele e o motorista já eram íntimos e estavam ali sempre brincando um com o outro. Arnaldo lhe pergunta sobre o porquê de não estar na escola naquele horário. O pequeno responde que estava no dentista e que por isso não tinha ido a aula. O motorista lhe chama atenção e fala: “Não deixe de estudar por causa do ônibus!”. E o garoto responde: “Claro que não! Não quero acabar como meu irmão, que já morreu”.
Já estávamos na avenida Bandeirantes, nos fundos do bairro Sion, e as palavras daquele menino me chamaram atenção. Ele, profundo conhecedor dos ônibus e com disposição total para ajudar na cobrança das passagens, mas com uma aparência de criança. Eu, sem o conhecer, lhe daria uma idade em torno dos 12 anos.
A viagem seguiu, eu em silêncio, só observava o motorista e o menino conversarem sobre o trabalho, as rotas e o futuro da linha, até que, finalmente, chegou a hora de descer.
Me levantei, agradeci ao motorista e, mais uma vez, lhe expliquei o que fazia ali. Ele me agradeceu e disse: “Ajuda a gente! Divulgue essa linha para que possamos manter essa rota. Só queremos ajudar as pessoas e fazer o nosso trabalho”. Acenei positivamente e me despedi. Passei a roleta e dei o sinal. Desci do ônibus no mesmo ponto em que o peguei horas antes. E, sinceramente, caminhei de volta ao trabalho reflexivo pelo que vi no trajeto, mas feliz pelas conversas e pelo o que vivi dentro do Suplementar 92.
Quer embarcar nesta viagem e conhecer o trajeto do Suplementar 92? Assista ao vídeo
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