por Mylene Alves

Começa hoje, 9 de dezembro, a primeira Mostra Córregos Vivos. O projeto é desenvolvido pelo Terra Comum, um grupo de pesquisa em arte e arquitetura da Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG e da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, que vêm apresentando propostas para proteger e revitalizar a Bacia do Cercadinho, tendo sido pensado por seis diferentes grupos temáticos. A mostra será apresentada por uma plataforma virtual, o próprio site do projeto, e segundo Louise Ganz, artista plástica, arquiteta e coordenadora do Córregos Vivos, tem como objetivo apresentar e ampliar debates ambientais, trabalhando junto aos moradores.

O projeto Córregos Vivos, hoje, trabalha principalmente com a população que vive em torno da Bacia Hidrográfica do Cercadinho, que foi escolhida por ainda ser a céu aberto, e por ter sido vista como uma boa oportunidade de se pensar em melhorias ambientais. O projeto vem dando voz aos moradores e, principalmente, questionando o modo como foram planejados os diversos trechos da cidade, que desde sempre violentam os córregos, os rios e as demais heranças naturais. 

A MOSTRA E SUAS INTENÇÕES

A mostra foi criada com a intenção de ser um laboratório de investigação, experimentação, debate e proposição. E segundo Louise, coordenadora, o córrego do Cercadinho foi escolhido por ser um percurso possível de se trabalhar, contando com matas, ocupações, e trazendo várias questões importantíssimas para a cidade.

Os trabalhos que serão expostos no site foram desenvolvidos de setembro a novembro, contando com participação dos moradores da região, que guiaram os demais participantes por passeios através de videochamadas. “Nós nunca nos conhecemos pessoalmente por conta da pandemia, mas desenvolvemos o trabalho. Conversávamos por cartas no e-mail… pessoas que não se conheciam, tendo que desenvolver um projeto juntas, foi muito emocionante! Nós temos opiniões bem diferentes, mas conseguimos aproveitar os nãos de cada uma e entender que estamos construindo uma coisa juntas. Foi uma experiência de muito crescimento”, disse Carla Magna, moradora da Bacia do Cercadinho, ambientalista e participante do grupo Jardins Viventes.

REALIDADE NO CERCADINHO

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte revelou que são mais de mil nascentes cadastradas só na capital, e a bacia do Cercadinho já foi o principal manancial da cidade, com seus 12,6 km² de área de drenagem e dois principais córregos: Cercadinho e Ponte Queimada, sendo esse segundo afluente do primeiro, e todos eles, afluentes do Ribeirão Arrudas.

Conversando com moradores da região, buscamos saber sobre a vivência junto ao córrego. Questionada sobre as consequências da violência contra os mesmos, Carla Magna nos disse: “O descarte de esgoto direto no córrego, o desmatamento em turnos das nascentes, a ocupação da beira dos córregos, os entulhos de bota fora vindos de construções, tudo isso nos afeta. As pessoas pensam que uma mata pegando fogo no Buritis não afeta os outros bairros, mas estamos em um ecossistema, isso gera impacto no clima da região”.

“São dias de angústia no período de chuva, o medo de inundar é constante! E além do medo, convivemos com o mau cheiro dos lixos que são descartados no córrego, normalmente por pessoas que não moram na margem”, nos contou Dona Maria dos Santos, de 54 anos, participante do grupo Nascentes e Matas, e também moradora da região.

Como uma visão de fora, Gabriela Luiza, de 27 anos, atriz e realizadora de cinema, que participou do grupo Nascentes e Matas, nos passou sua percepção:

“As crianças entendem os riscos. Têm uma relação que, ao mesmo tempo, é de responsabilidade, de cuidar daquilo, mas também têm a consciência de que ele já vem poluído, e que eles estão privados da maravilha que seria um rio na porta de suas casas. Essa consciência ambiental mesmo tão jovens reflete como isso está presente no dia a dia deles. Uma coisa que me deixou perplexa é que eles têm um medo latente de enchentes, um certo trauma, por saberem que isso leva casas, leva pessoas, ver isso nas crianças é bem assustador”. 

TRABALHOS QUE SERÃO EXPOSTOS

A exposição, que começa nesta quarta-feira (9), conta com trabalho de seis grupos. Deixamos a seguir um resumo enviado pela organização da mostra, que conta um pouco sobre a intenção de cada um deles.

JARDINS VIVENTES

A noção de jardim é ampliada para uma simbiose biorrelacional e a bacia é entendida como uma outra cosmologia, e não apenas como uma área por onde se delineiam caminhos de águas. Foram produzidos “Jardins-Episódios da Bacia do Cercadinho”, combinando conteúdo coletado e reflexões relacionadas à natureza urbana, ecofeminismo, colaboração interespecífica e etnobotânica. Poesia e prosa, fabulação e documentário, performance e escuta se fundem, associando textos, fotografias, ilustrações, grafismos e áudios, em vídeo cuja história é narrada por meio de uma estética do fragmento e produção pela colagem. Uma publicação ilustrada reúne narrativas e pequenos curtas baseados nos escritos.

HISTÓRIAS LOCAIS

A partir de conversas com moradores do bairro Marajó, as trocas ocorreram via WhatsApp e visitas, durante as quais foram realizados registros visuais e sonoros de paisagens e pessoas. As fotografias feitas no local e da década de 1970 – recebidas de um dos moradores – foram manipuladas, a fim de criar uma sobreposição de camadas de tempo, uma fantasmagoria que traz os impactos do passado no presente. As imagens, junto às transcrições dos áudios, compõem um livro sobre as histórias locais. Em um programa da “Rádio Cercadinho”, disponível em podcast que pode ser acessado no site do projeto, integrantes do grupo e pessoas do local narram as histórias, junto a grandes acontecimentos da cidade, em uma perspectiva macro que parte das histórias locais.

ECONOMIA DOS AFETOS

Renda básica e cidadã, economia solidária e moeda social apontam para uma economia baseada não em valores monetários abstratos, mas afetos próximos e locais compartilhados. Pensando as águas da bacia do Cercadinho, como vivente carregado de afetos produzidos, quais valores podem ser negociados? Quais moedas e imagens podem ser pensadas? A mobilização social visa à criação de um banco comunitário de desenvolvimento da bacia do Cercadinho e de uma moeda social. A proposta é, a partir do fomento do comércio local, a geração de meios para incentivar e sustentar projetos de preservação e revitalização do córrego. O processo foi desenvolvido por meio de reuniões virtuais com representantes das associações de bairro e membros de coletivos e movimentos locais, como a Frente de Resistência Oeste e o Parque JÁ, realização de lives com coordenadores de três bancos comunitários e pesquisadores, assembleia virtual (25/10) e criação de página do Banco Cercadinho nas redes sociais.

NASCENTES E MATAS

Um curta-metragem conta a lenda do “Escafandrista do Cercadinho”, personagem que representa o avaliador da qualidade das águas dos córregos da região que aparece na beira do Cercadinho e da Ponte. A proposta é provocar discussões, a partir da ficção e do conjunto de imagens do escafandrista- cientista ao longo do córrego, despertando questionamentos: “O que contribui para a contaminação e descontaminação das águas desde suas nascentes?”; “O que acontece ao longo do percurso dos córregos?”; “O que são as análises realizadas?”; “Quais possibilidades de continuidade elas podem ter?”; “Quais parâmetros de avaliação surgem por meio do convívio com as águas?”. O curta é composto por retratos de paisagens da região, cenas com falas dos moradores e equipe. Especialistas, técnicos e cientistas contribuíram com o desvendamento da lenda do Escafandrista por meio de encontros virtuais. O elenco convocado por chamada pública virtual é composto por moradores locais e a estreia foi realizada na casa da moradora Maria dos Santos Almeida que participou do filme exibido on-line, seguido de debate com elenco e convidados.

MORAR NA BACIA

As bacias possibilitam manter os biomas e atividades da vida cotidiana e econômica. Quais modos de morar existentes ou que podemos projetar para o futuro que possibilitariam relações, combinando águas e matas, e não sua separação ou exclusão? Nesse contexto de atuação, impressões sobre as relações que se estabelecem no habitar a bacia foram produzidas. As descobertas permeiam os eixos temáticos: construção; da nascente à foz; terra e vizinhança. Devido à pandemia, o Google Earth foi usado como ferramenta de pesquisa visual e territorial, além de pesquisas de vídeos, reportagens e histórias sobre, por exemplo, enchentes e desabamentos de construção em áreas de encosta. Caminhadas nos bairros Estrela Dalva e Havaí, seguindo as medidas de proteção adequadas, incluíram visita a campo com o objetivo de andar por parte da extensão dos córregos Cercadinho e Ponte Queimada, com visitas à moradora Maria, ribeirinha que tem uma nascente canalizada no seu quintal, e Mateus, Guilherme e Samuel, adolescentes criadores de peixes que moram no bairro Havaí. Além dos registros do grupo, câmeras analógicas foram entregues a duas moradoras do Conjunto Estrela Dalva, para que registrassem suas impressões desse habitat.

PINTURAS DE TERRITÓRIO

Foram realizadas pinturas relacionadas à bacia do Cercadinho em torno das temáticas “alentos” e “aflições”, com a criação do “Gabinete de criação pictórica desejante sensório-artesanal de apreensão de impulsos perspectivos de fatos imponderáveis da vida”. Artistas do projeto realizaram encomendas de pinturas aos artistas locais, moradores dos bairros Havaí e Estrela Dalva: Fábio Silva, Cléber Santana e Agnaldo Canuto. Os trabalhos das pintoras do projeto e artistas locais integram exposição que será projetada em um muro do bairro Estrela Dalva durante a Mostra.

ALVOS DO PROJETO

Segundo Louise, o público-alvo da mostra são os moradores da região, mas também profissionais de áreas atuantes no meio, políticos, e a população geral da cidade, para que o discurso chegue a outras esferas, e a consciência se espalhe.

Perguntados sobre qual poderia ser uma contribuição vinda das pessoas de fora da Bacia do Cercadinho, os entrevistados (foram a Louise, e a Gabriela, melhor especificar ou deixar assim?) , em sua maioria, nos disseram que é importante não ter um pensamento salvacionista e caridoso. Não é sobre “salvar a população dos perigos”, é sobre cuidar do que é nosso, levar os debates ecológicos para lugares mais amplos, pensar política corretamente, votar em candidatos que entendam o valor dessa luta, assim transformaremos a cidade e consequentemente, a vida dessas pessoas.

Visite, conheça os trabalhos desenvolvidos na mostra, e entenda a importância da causa.