Por Fernanda Freitas

O ano de 2020 foi marcante para a história recente, e também para os moradores do bairro Buritis por uma série de fatores. Ainda em janeiro, surgiram no bairro – em moradores ou pessoas que estiveram no Buritis, os primeiros casos de contaminação por dietilenoglicol, após ingerir a cerveja Belorizontina, da cervejaria Backer. A substância causou aos 29 intoxicados a síndrome nefroneural, e matou 10 pessoas.

Entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, o Buritis e toda a região metropolitana de Belo Horizonte foram castigados pelas fortes chuvas, que causaram muitos estragos. No Buritis, as vias principais precisaram de restauração nas calçadas e no asfalto, entre os pontos mais afetados estão a avenida Professor Mário Werneck e a rua Engenheiro Carlos Goulart.

Pandemia

Compondo um início de ano tão conturbado, em março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estarmos vivendo uma pandemia global do novo coronavírus (SARS-Cov-2). No mesmo mês, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) decretou as primeiras medidas de isolamento social, que só seriam revertidas em uma tentativa frustrada de flexibilização em maio.

A partir do dia 20 de abril, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) passou a atualizar os dados da covid-19 na capital, através dos Boletins Epidemiológicos, que trazem os números de casos confirmados, de recuperados e de óbitos. Até hoje, foram publicados 164 Boletins Epidemiológicos, que podem ser acessados no portal da PBH.

O Buritis figura entre os bairros com mais casos de covid-19 desde o início da pandemia. Hoje, o bairro é o que possui o maior número de infectados. O primeiro Boletim Epidemiológico com dados por bairro da capital foi publicado no dia 14 de maio, quando o bairro tinha 26 casos confirmados. No último boletim com dados por bairro, publicado em maio, no dia 22, o número já havia subido para 33 casos. A partir daí, os casos covid-19 no bairro aumentaram em mais de 1000% até o dia 30 de novembro. Confira no gráfico a curva de crescimento:

Imagem: Fernanda Freitas

O que pensam os moradores

Cláudia Bartolomeu, administradora, é moradora do Buritis e foi uma das primeiras pessoas do bairro a contrair o vírus, em maio. Ela compreende que há uma despreocupação das pessoas não só do Buritis, “vejo muita gente nos bares, e comércio o dia inteiro, o bairro voltou a ficar lotado, como sempre foi”, mas de toda BH, “parece até que o vírus não existe mais”.

Em maio, o início da flexibilização do comércio fez os casos de covid-19 subirem 143% em 3 semanas. O que fez com que o prefeito Kalil voltasse atrás na decisão. Somente em agosto, o município retomou o plano. E no Buritis, o número de infectados saltou de 113 em agosto, para 364 em novembro.

Sobre a reabertura, Cláudia observa:

“No início de setembro eu assisti a uma live com uma pessoa da OMS, e ele falou que os pilares para que possamos conviver com o vírus, sem afetar tanto a economia, são: uso de máscaras, higienização constante das mãos e não aglomeração. A abertura dos bares não faz uso de nenhuma delas”

O morador Francisco Pimentel, designer, também afirma crer que a reabertura de bares e restaurantes pode ter ajudado no aumento recente de casos. Ele afirma não ter visto mudança no comportamento da população com o crescimento no número de casos.

“De março pra cá, o que percebo é que as pessoas quase não mudaram seu ritmo. No início, víamos pessoas caminhando sem máscaras nas ruas e o número não era pequeno. Hoje, as pessoas seguem até piores no quesito cuidados, mesmo com toda uma experiência adquirida nesses últimos meses”, analisa.

Conforme aponta o Boletim Epidemiológico desta segunda-feira, 14, a faixa etária com mais casos de covid-19 em BH são pessoas de 20 a 39 anos. Francisco acha que o ‘mito’ de que só quem faz parte de grupos de risco teriam casos graves da doença contribuiu para o comportamento imprudente dos mais jovens. “Conheço pessoas mais velhas que se saíram muitíssimo bem e também conheço pessoas novas que passaram pior no processo”.

Para Cláudia, com a ênfase de cuidados para os grupos de risco, os mais jovens “passaram a relaxar e veio então a comprovação de que não é bem assim. Quando tive os primeiros sintomas, fui em dois postos de saúde e os dois médicos falaram comigo: “Não vou gastar exame com você, pois não é do grupo de risco”.

Comércio local

O comércio foi um dos setores mais afetados pela pandemia, devido à paralisação das atividades presenciais. Segundo a Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, 11.299 empresas foram extintas na capital até julho, em decorrência do fechamento causado pela pandemia. Se consideradas as que não fecharam em decorrência do isolamento, o número chega a 17.030 empresas, um número 42,6% maior que o no mesmo período em 2019.

O empresário Giovane Ribeiro, sócio de uma floricultura no Buritis, viu nas redes sociais a possibilidade de reinvenção do negócio e sobrevivência durante o lockdown. “Desde o início do nosso negócio sempre tivemos Instagram, mas foi com o início da pandemia que passamos a explorá-lo de forma mais abrangente, a ponto de ser, nos primeiros meses, nossa ferramenta mais importante!”. A estratégia do Giovane foi adotada por muitas empresas no país, só na primeira semana de abril, o e-commerce cresceu 18,5%, segundo relatório da Ebit/Nielsen.

A floricultura de Giovane conseguiu entender as novas necessidades de consumo das pessoas, e conseguiu superar as dificuldades do momento deixando um saldo positivo. “Fizemos a recontratação dos demitidos, triplicamos nossa equipe e dobramos nosso espaço! Mas sabemos que não foi assim para todo mundo, e foi triste acompanhar comércios vizinhos encerrando as atividades.” Para ele, a limitação do funcionamento do comércio não é a melhor opção, e que com mais horas abertos, os estabelecimentos conseguiriam distribuir melhor o fluxo de pessoas.

Mas se para Giovane a pandemia foi um desafio de sobrevivência, para Marcos Lima, foi um momento de oportunidade. O empresário abriu uma lavanderia no bairro em outubro, e teve que lidar com as incertezas de colocar em prática o projeto que idealizou ainda em 2019. Marcos acredita ser um bom momento para quem quer empreender. “O cenário é ótimo. Acredito que nunca se inovou tanto no mundo. O isolamento social trouxe uma série de demandas que não existiam.”

Nesse sentido, 2020 suscitou um grande crescimento no número de empreendedores. Segundo o Portal do Empreendedor, do governo federal, foram registrados 1,15 milhão de novas formalizações entre fevereiro e setembro. Esses novos empreendedores, por necessidade ou não, representam crescimento de 14,8% em comparação com o mesmo período de 2019.

Durante a pandemia, também houveram ações de apoio ao comércio, como a Apoie o Local, do Portal Uai, que visa fortalecer a economia local através da promoção de visibilidade; e o abraço simbólico no comércio do Buritis, organizadas pelos comerciantes da região, que pediam a reabertura do comércio. Para Marcos, essas ações são “extremamente importantes para mostrar a união dos empreendedores e principalmente para sensibilizar os governantes e políticos a encontrarem soluções para preservar os empreendimentos e empregos.”

O poder do discurso político

Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) critica o isolamento social e as medidas de segurança da OMS, adotadas por governadores e prefeitos. Segundo a Doutora em Estudos linguísticos Giani David Silva, as falas do presidente Bolsonaro sobre a pandemia podem influenciar a população a não cumprir o isolamento. No Buritis, o presidente Bolsonaro foi eleito, em 2018, com 71,28% dos votos, segundo o Tribunal Regional Eleitoral de Minas.

Se tratando de um bairro onde grande parte da população tem seu discurso alinhado ao do presidente, Francisco concorda que a quantidade de casos pode estar também relacionada às pessoas que apoiam suas declarações e, consequentemente, não adotaram o isolamento social. “Infelizmente, falas desconexas do Bolsonaro influenciam e muito a quem votou nele, seus seguidores acreditam no que ele diz”. E reitera a eficácia do isolamento, ao afirmar que, com “as práticas adotadas aqui no nosso condomínio, que seguimos à risca, percebemos que deu certo e pode dar certo sim, basta seguir os protocolos e perceber que podemos seguir em frente”.

Foi através de um isolamento rigoroso que a Cláudia se curou da covid-19, sem transmitir o vírus ao seu marido e filho, que moram no mesmo apartamento. Ela ficou 15 dias isolada em uma suíte de seu apartamento, e estabeleceu uma estratégia de limpeza que evitou que contaminasse seus familiares. No entanto, diferente de Francisco, ela não acredita que as falas de Bolsonaro influenciem a população do bairro. “Não acredito que a população que mora no Buritis seja tão influenciada assim pelo presidente”.

Fim de ano em família?

Com as comemorações de fim de ano se aproximando ,  há dúvida sobre como proceder com as tradicionais festas em família. A recomendação da OMS é clara. “Não ter uma reunião familiar é a aposta mais segura”, conforme anunciou a líder técnica da organização, Maria Van Kerkhove, em reunião virtual realizada em novembro. Mas, para quem não abre mão de estar com a família durante o período de festas, é preciso estar muito atento, e seguir algumas recomendações:

Imagem: Fernanda Freitas