Por William Araújo
– Toca a bola. Vai!
– Sai “daeh”. Passa, passa…
– Solta a bola, soh. Joga pra ele.
– Aí, é agora.
– Vai, vai. Aeh… Karlinhos. Que gol!
Possivelmente esse diálogo aconteceu na rua Lagoa da Prata, esquina com rua Parreiras, no campo de futebol improvisado dos garotos do bairro Salgado Filho (se bem que era provável haver um campinho de asfalto em cada rua do bairro).
Ali existia uma rixa de ruas, o time da rua Parreiras contra o da rua Lagoa da Prata. Todos reunidos nos finais de semana, à tarde, para conflagrar a batalha do futebol. De vez em quando, o asfalto cobrava a tampa de um dedão, alguns gritos aconteciam, mas logo um substituto era encontrado, contanto que fosse da mesma rua do time desfalcado.
Lá, um atacante jovem, veloz e concorrido era o destaque das ruas: Karlinhos. Até houve momentos em que os próprios amigos brigavam pelo direito de tê-lo no time. Robertinho, jogador do Parreiras, fez até um contrato de compra do passe de Karlinhos.
Naquelas tardes o tempo voava e, logo que o domingo terminava, Karlinhos encostava a cabeça no travesseiro e divagava: amanhã será um longo dia.
Apesar da diversão, a infância de Karlinhos foi marcada pela dificuldade e pobreza. Nascido em 1960 e órfão de pai, quando ainda bebê, em 1961, foi criado pelos avós para que a mãe – lavadeira – trabalhasse.
Aos dez anos, quando já tinha forças e consciência para notar os problemas da própria família, Karlinhos decidiu trabalhar. Conseguiu graxa e escova e foi para a rua servir aos sapatos dos mais abastados. Também vendeu chup-chup e ora ou outra ganhava um troco e a certeza de levar algo para a mãe jantar.
A força do garoto vinha da alegria da família. Mesmo com as adversidades, sempre estavam sorrindo, agradecendo pelo pouco de cada dia. Nem o dia das mães, em que não havia presentes, era velado. Tudo se resumia ao otimismo.
Filho único, só alterou essa rotina aos 11 anos, quando ingressou no time Nacional Futsal. Agora, além de trabalhar, poderia participar de torneios quando a semana acabasse.
Em 1974, entre o serviço de ambulante, família e o prazer do futsal, Karlinhos foi visado. Não por um olheiro do Atlético ou Cruzeiro, mas pela professora de matemática, Maria Célia, da Escola Estadual Cândido Portinari.
A professora percebeu a vontade de Karlinhos, que trabalhava e estudava apesar da pouca idade de 14 anos. A disciplina do garoto levou Maria Célia a indicá-lo como auxiliar de secretaria na Cândido Portinari, onde trabalhou por quase um ano e meio.
Apenas servia cafezinhos e esfregava o chão. Mas as pessoas notaram o esforço e Karlinhos foi levado, aos 15 anos, para trabalhar no Cartório do Nono Ofício Rodrigues da Cunha. Aprendeu a despachar, registrar imóveis e não parou por aí. Outro olheiro o avistou.
Geraldo Magela Santana, o Geraldinho, também era despachante no cartório e foi uma pessoa importante na vida de Karlinhos. Ofereceu ao jovem a possibilidade de trabalhar na empresa Pampulha S/A e Wady Simão, onde começou aos 19 anos.
A empresa se prontificou a pagar, integralmente, um curso superior de engenharia para o rapaz, mas Karlinhos estava interessado em outra coisa, na matemática. Já não tinha mais tempo para o futsal, sua vida estava entre tarefas, casa, estudos e trabalho.
A partir dali novos horizontes se abriram.
No ano de 1982, Karlinhos consegue a aprovação em vários concursos, um deles no Banco Nacional de Habitação (BNH). À época de duras provações, nesse ano o jogo virou. Ele agora podia dar à mãe a segurança financeira que sempre quis.
Em 86, o BNH foi incorporado à Caixa Econômica Federal e Karlinhos passou a trabalhar nesse banco. Formado em matemática, quando acabava o expediente na Caixa, em 1987, desempenhava a coordenadoria de matemática e ministrava no Colégio Nossa Senhora da Piedade.
A diretiva de Karlinhos era: prover o que sua família nunca teve sem se importar com a quantidade de trabalho. Enfrentava, feliz, duas rotinas de trabalho todos os dias.
Mas não somente de labor vive um homem. Curiosamente, ela sempre esteve ali. Vizinha há vários anos, Romilda encantou o homem que parecia máquina. Um romance despertou na rua Lagoa da Prata.
Parecia amor à primeira vista. Talvez fosse, por outro lado, quem sabe Karlinhos agora se enxergava como um bom partido e por isso abriu os olhos ao amor. O fato é que casaram sem demora, em 1995, quando mudaram para o bairro Havaí e curtiram muito a Lua de Mel.
Em 96, decidiram mudar novamente, foram para o bairro Buritis.
Karlinhos recordava do bairro Buritis desde os tempos de criança, quando a molecada o chamava para nadar nos córregos e ele não podia – tinha que trabalhar. Quando adulto, conheceu quase todas as ruas enquanto dirigia o carro de aprendizagem da autoescola.
O bairro era vazio e as ruas largas, mas já era alvo da expansão demográfica de Belo Horizonte. O Buritis teve vertiginosa verticalização em meados das décadas de 70 e 80, mudou a imagem da serra que o cerceava e fincou imponentes edifícios em meio a fazendas e mansões.
Hoje, é o lar de Karlinhos e Romilda.
Em 1994, a Caixa Econômica Federal apoiou a campanha Natal Sem Fome, idealizada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Nesse período, Karlinhos trabalhava na Caixa e participou dos atos solidários.
A vontade que sempre palpitou no coração do professor agora estava mais forte. Para Karlinhos, ser solidário faz parte da natureza humana.
Entre uma ação e outra, uma ajuda, um “quebrar de galho”, uma providência na Vila Ventosa, a força de contribuir se estabelecia. Oriundo de uma fé católica e hoje kardecista, nunca se esqueceu dos familiares que perdeu para o alcoolismo. Sempre imaginou que a solidariedade que recebeu, deveria ser devolvida para a sociedade.
Sua infância foi muito difícil, ninguém merecia – adulto ou criança – viver os mesmos cravos.
Karlinhos atuou discretamente nas comunidades dos bairros Buritis, Salgado Filho, Vila Ventosa, Havaí. Sempre houve a vontade de fundar um projeto, mas o tempo não permitia. Até quando, em 1999, foi desenganado pelos médicos. Eles detectaram que o professor estava com câncer.
Sim, a vida prega peças. Viu-se frente a duras escolhas que coincidiram com uma ótima notícia, sua esposa estava grávida.
Karlinhos decidiu lutar. Iniciou o tratamento por quimioterapia meses após o filho nascer e, novamente, venceu. Os dois anos de batalha foram profícuos e a mazela se foi. Seguiu recomendações médicas e diminuiu o fluxo de trabalho, optando por sair do Colégio Nossa Senhora da Piedade.
Acabara de fazer a pós em Análise de Sistemas, mas quis inovar. Renovou a prática do esporte e, em 2009, concluiu o curso de extensão de Técnico de Futebol pela Faculdade Castelo Branco/ Instituto Wanderley Luxemburgo (IWL).
Seu filho, André (Dedé), já estava com nove anos e amava futebol.
Coincidentemente, um dos grandes amigos de Karlinhos, Sérgio (de alcunha “Véio”), que jogou muita bola com ela na infância, tinha um filho que era amigo de Dedé. Assim, os pais sempre se encontravam enquanto os filhos se divertiam no futebol.
Dedé passou na seletiva do Sistema de Ensino COC, virou goleiro e seu pai foi convidado para ser auxiliar técnico de futebol. Com o tempo, Karlinhos notou que alguns garotos, amigos do seu filho, que não passavam nas seletivas, ficavam muito tristes. Inclusive o garoto Romerinho, que tem enfrentado a leucemia com o apoio da mídia.
Os olhares incrédulos intrigavam o auxiliar técnico.
No dia dois de novembro de 2009, Karlinhos organizou uma excursão que levou o filho e os amiguinhos do futebol para o parque Hopi Hari, na cidade de Vinhedo, em São Paulo. Durante a viagem, o auxiliar técnico teve a ideia de criar um projeto: o “Bom na Bola, Bom na Vida”.
Quando retornou a Belo Horizonte, planejou uma maneira de dar a esses garotos, excluídos pela seleção, uma oportunidade de serem reconhecidos, interagirem e se divertirem. Ademais, havia prometido criar para o filho um time de futebol. Essa foi a pedra fundamental do projeto “Bom na Bola, Bom na Vida”, fundado em cinco de dezembro de 2009 – data comemorativa do Dia do Voluntário.
Em 2014, o projeto foi aprovado pelo município de Belo Horizonte, no ano seguinte Karlinhos se aposentou e a história não terminou por aí…
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