Por Rebeca Nicholls
Nesta quinta-feira (31/3), em um procedimento nunca realizado no Hospital Veterinário do Centro Universitário de Belo Horizonte – UniBH anteriormente, acontece o transplante de células-tronco em um animal. Neste momento, um cachorro que sofre com as sequelas da Cinomose será contemplado com a aplicação.
No total, serão realizadas três aplicações e a expectativa é que o pet volte a realizar atividades básicas que não conseguia realizar antes, como urinar sozinho.
O percurso para que esse procedimento pudesse acontecer começou quando o médico veterinário Bruno Machado Bertassoli recebeu a doação de três aplicações de células-tronco através de uma parceria com a empresa Ouro Fino (Neostem). Tais células podem ser usadas na medicina veterinária para diversos tratamentos, dentre eles as sequelas da Cinomose, tratamento de dor articular e de Cerato Conjuntivite Seca. É o que explica Bertassoli.
“Já existem pesquisas que mostram que tratamentos específicos com células-tronco funcionam na medicina veterinária, como tratamento de dor articular em animais, tratamento de Cerato Conjuntivite Seca, que é quando a glândula lacrimal seca ou entope e então não produz mais lagrimas e uma coisa que chama muita atenção que é o tratamento dos sintomas das sequelas de Cinomose, uma doença que ataca o sistema nervoso do animal, principalmente a parte neuromuscular, então o animal para de andar, tem tremores… Isso quando ele vence as duas semanas agudas da doença, por isso temos a vacinação contra Cinomose, Parvovirose entre outras doenças transmissíveis (vacinas V8 e V10). Então se o animal não é vacinado e ele adquirir essa doença, conseguir sobreviver, a sequela neurológica geralmente é severa. E a ciência conseguiu desenvolver essas células tronco para tratamento também das sequelas da Cinomose.”
Depois de conseguir as células, surgiu então a necessidade de encontrar um animal que pudesse ser usufruir do tratamento. Após uma longa procura, o cachorro escolhido foi o Marco Túlio, que vive em um abrigo para cães e já havia sido cuidado pelo Hospital Veterinário há um ano, quando estava se recuperando da doença.
A Cinomose atinge cachorros não vacinados e seus sintomas geralmente são diarreia, apatia, perda de apetite, vômito, febre, secreções oculares, secreções nasais, convulsões, paralisias, tiques nervosos e falta de coordenação. Os animais que são acometidos por essa doença geralmente não sobrevivem aos sintomas e em sua maioria acabam morrendo, principalmente por não existir nenhum remédio que combata a doença em si, apenas os sintomas podem ser tratados.
Pouco tempo depois de ter sido resgatado, os médicos descobriram que Marco Tulio estava com Cinomose. O cachorro conseguiu sobreviver aos sintomas da doença, mas ficou com as sequelas. Fernanda Fiuza, que cuida dele junto às pessoas do abrigo onde o animal mora, conta um pouco sobre a sua trajetória.
“Eu tenho o hábito de sempre ajudar adotando cartinhas de Natal de abrigo, geralmente da OPA. No Natal de 2021 conheci pelo Instagram a @divulgapatinhas e @resgatocao, grupos de protetoras que fazem um trabalho bem bacana. Estavam anunciando as cartinhas quando vi o caso do Marco Túlio, que na ocasião precisava de padrinhos fixos para o tratamento, com neurologista e fisioterapeuta. Então me ofereci para ajudar, inicialmente com R$50 reais por mês. Foi criado um grupo de WhatsApp Dindas/Dindos do Matu. Atualmente o grupo tem 23 participantes entre as meninas do abrigo e os padrinhos que, salvo engano, somos 20. Depois desse primeiro momento fui visitar o local onde ele vive e conheci pessoalmente as meninas”.
Fernanda cria uma cachorra chamada Maria Esperanza. Em seu aniversário de um ano, ela fez uma festinha e os presentes foram revertidos para os cães e gatos do abrigo. Na comemoração, o Marco Túlio esteve presente e ganhou o coração de todo mundo que estava.
“Um amigo meu sugeriu que procurássemos o Bruno Bertassoli, porque já fomos alunos dele, para uma opinião sobre o Marco Túlio. Desde então ele vem acompanhando a evolução dele com fisioterapia e fazendo exames. Recentemente ele sugeriu a aplicação das células-tronco, levei a questão para as meninas do abrigo e elas toparam. Marco Túlio então está fazendo uma bateria de exames, além dos que ele sempre faz, para ver se está apto”, relata.
Devido às sequelas neurológias, Marco Túlio não anda e não consegue urinar. Com as aplicações, existe a expectativa de que ele possa urinar e, talvez, voltar a andar. Ao Jornal DaquiBH, Bruno Bertassoli fala sobre as células-tronco que serão usadas para tratar as sequelas do cachorro.
“Antigamente, quando se pensava em células-tronco, se pensava em embrião, em aborto. Pensava que ia ter que matar alguém ou algum filhote para retirar as células-tronco. Mas hoje se sabe que isso não é necessário, pois é possível coletar células-tronco de animais adultos e diferenciá-las para que elas sejam literalmente o que a gente quer que elas sejam. Então, por exemplo, a gente pega a célula de gordura e consegue diferenciá-la em osso, cartilagem, a própria gordura, tecido nervoso e é possível sinalizar para algum tipo de infecção ou inflamação com essa célula para tentar tratar de alguma forma. Hoje em dia, algumas empresas vendem células tronco para fazer aplicação na medicina veterinária. No Brasil, para a medicina humana não é autorizado fazer procedimentos com células-tronco, mas fora do Brasil o pessoal já faz tratamentos específicos”, explica.
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