Por Marianna Bortolini
Desde o início do governo Bolsonaro e, agora, com o isolamento social devido à pandemia da COVID-19 e o consequente fechamento de escolas, a discussão sobre a prática do Homeschooling levanta polêmicas.
O Homeschooling, ou Educação Domiciliar, é a prática de realizar o processo de educação básica dos filhos em casa, seja lecionado pelos próprios pais ou por tutores ou profissionais contratados. A carga horária e as disciplinas da grade curricular ficam a cargo dos pais.
O Homeschooling, atualmente, no Brasil, está em um limbo. Não há uma lei que permita nem que proíba. As famílias que desejam aderir à prática devem entrar com o pedido na justiça. Entretanto, em 2018, um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) colocou o ensino domiciliar como não permitido no país. Por causa disso, a prática é considerada ilegal. Devido à ilegalidade atual, os que são a favor, os homeschoolers, lutam por uma lei que regulamente a prática no país. Eles acreditam que o Estado não deve proibir os pais de buscarem uma educação independente para os filhos.
A ANED, Associação Nacional de Educação Domiciliar, é um dos principais órgãos que lutam em favor da causa. Segundo a associação, de 1994 a 2019, oito Projetos de Lei e uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) já tramitaram no Congresso Nacional em prol da regulamentação. Em abril deste ano (2020), houve, por parte do Ministério da Educação, um rascunho de uma nova Medida Provisória. O intuito é fazer avançar a pauta no Congresso em busca de regulamentação. Enquanto isso, países de 5 continentes têm a prática permitida.
Entre os argumentos a favor da prática, além da insatisfação com a qualidade dos ensinos público e privado, estão: o bullying, a violência nas escolas e a insatisfação com classes com alunos de diferentes idades juntos. Em uma pesquisa feita pela ANED, um terço das famílias que já optaram pela educação domiciliar, isso é, ganharam permissão antes do parecer do STF, afirmam que aderiram à prática por buscarem uma educação personalizada, que permite explorar os talentos e potenciais dos filhos.
Com o número de alunos em cada sala, muitos pais afirmam que não tem como cada criança receber uma atenção pessoal e que isso pode prejudicar o aprendizado. Um estudo personalizado, então, poderia tirar melhor as dúvidas, aplicar mais tempo ou menos tempo em uma disciplina ou área do conhecimento, conforme a dificuldade da criança. Muitos pais relatam, ainda, que a qualidade de ensino melhorou, pois os filhos recebem atenção exclusiva e consegue desenvolver um aprendizado autodidata.
Um dos grandes argumentos contra o homeschooling é a falta de socialização. Avessos à prática afirmam a necessidade da criança aprender a se relacionar, a conviver e respeitar o diferente, e a escola é o melhor meio para esse fim. A escola é um ambiente de aprendizado que vai além das disciplinas acadêmicas. Ela proporciona experiências culturais e experimentais importantes para o crescimento da criança como ser humano.
Outro motivo contra é a importância da escola na luta contra o abuso infantil. Existem diversos relatos de professores que encontraram sinais de maus tratos nas crianças e, assim, puderam reportar abusos sofridos por elas em casa. O despreparo dos pais, flexibilização e falta de inspeção, são outros argumentos que fazem alguns se posicionarem contra ou ficarem em dúvida em relação ao homeschooling.
Os favoráveis ao ensino doméstico respondem que, além da criança aprender a conviver em casa e de acordo com os parâmetros dos pais, existem outros meios de socialização fora da escola. Os pais podem matricular os filhos em cursos de idiomas, em atividades esportivas em grupo e os filhos podem se relacionar com outras crianças em grupos em que os pais convivem, como familiares, amigos, vizinhos ou igrejas.
Uma pesquisa de opinião feita em um grupo de Facebook com moradores do bairro Buritis, revelou um pouco do que pensa uma pequena amostra dos moradores da região. Entre os totalizados 75 comentários, 20 se posicionaram a favor de uma regulamentação do homeschooling e outros 18 contra. Entre os comentários restantes, surgiram dúvidas, e alguns não quiseram se posicionar ou não foram tão claros quanto ao posicionamento.
Os que se posicionaram a favor listam como argumento o direito de decisão dos pais e crianças com necessidades especiais ou impossibilitadas de ir à escola. Acreditam que é necessário regulamentação, acompanhamento e avaliações. Os que se posicionaram contra listam como argumento, além da falta de socialização, o despreparo dos pais e a privação de experiências proporcionadas pela a escola e o ambiente escolar. A pedagoga Gabriela Sousa se posicionou contra o homeschooling.
“O melhor aprendizado da vida é a convivência com as diferenças, o desenvolvimento da autonomia quando se está longe da família, superação de dificuldades enfim. Essa proposta, além de sobrecarregar o tutor e enfraquecer as relações familiares, acaba criando a criança em uma bolha”, diz.
Já a enfermeira Adriana Castilho é a favor da educação em casa regulamentada, mas prefere a escola presencial, por causa da socialização, aprendizado em conjunto e a convivência com outras crianças. Mas, acrescenta:, “para os que optarem, sou também a favor, desde que os pais saibam direcionar e não deleguem todas as necessidades oferecidas em escola.”
Suely Mesquita, psicopedagoga e também moradora do bairro Buritis, acredita que o homeschooling, em termos de conteúdo, atende às crianças, mas no resto das habilidades que precisam ser construídas, não.
Um psicopedagogo tem o papel de identificar, através de uma avaliação bem construída, quais são os pontos frágeis e as habilidades que a criança ou o adolescente têm. O profissional traça um perfil cognitivo, com potenciais e dificuldades, e a partir daí, propõe um direcionamento mais assertivo, para a família e a escola, de como alavancar esse potencial de aprendizagem. Pequenas mudanças, de estratégia e de avaliação, podem fazer uma enorme diferença no desempenho da criança.
Em relação ao homeschooling, a psicopedagoga pensa que existem vantagens, como um ensino mais direcionado, que respeita o ritmo da criança e suas demandas individuais, no que se refere a conteúdo pedagógico. Mas aponta também que a aprendizagem se faz em forma de uma interação social. Não se deve olhar apenas o aspecto cognitivo, mas também o aspecto social e a formação da personalidade da criança.
“Ninguém aprende sozinho. Quando a gente fala de homeschooling, estamos falando de uma criança que tem pouco contato com os pares e pode desenvolver menos a cognição social. Desenvolvendo menos a cognição social, ela deixa de compartilhar e de adquirir alguns conhecimentos que são dados pelas outras crianças, nas interações, nos trabalhos em grupo, na hora da educação física, por exemplo”.
Suely finaliza dizendo que, apesar de, em casa, a criança receber “não” dos pais, em um ambiente escolar ela pode exercitar as opiniões dela e desenvolver a habilidade de aceitar críticas, pois tudo isso estimula o cérebro a ter conexões mais ricas.
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