Doenças causadas pelo trabalho continuam a gerar afastamento de profissionais

Por Iris Aguiar

Trabalhar não pode ser sinônimo de doenças, mas é comum se machucar ou desenvolver síndromes no trabalho. Doenças do trabalho são aquelas adquiridas ou desencadeadas em função de condições específicas da prática de atividades  ou em condições que se relacionem diretamente a ele.

As doenças do trabalho são variadas. Dentre as mais comuns estão a Lesão por esforço repetitivo (LER), os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort), a ansiedade e o estresse. Atualmente, existe também a síndrome de burnout, doença que recentemente foi adicionada à lista de doenças do trabalho.

Burnout

A síndrome de burnout, nome do inglês que significa ‘queimar fora’, vem se popularizando e chegando ao entendimento do público recentemente. Esta síndrome se caracteriza pela exaustão emocional humana e acontece especificamente pelo estresse no trabalho.

A doença do trabalho apresenta sintomas decorrentes do estresse, podendo ser um quadro de estresse crônico. Seus sintomas podem estar em níveis psíquicos, físicos ou comportamentais, dos quais os principais sintomas são:

  • Físicos
    • crescimento da fadiga constante,
    • distúrbios de sono,
    • dores musculares,
    • dores de cabeça e enxaquecas,
    • problemas gastrointestinais, respiratórios, e cardiovasculares
    • Em mulheres, as alterações no ciclo menstrual
  • Psíquicos
    • dificuldade de concentração,
    • lentificação ou alteração do pensamento,
    • sentimentos negativos sobre o viver, trabalhar e ser
    • impaciência,
    • irritabilidade,
    • baixa autoestima,
    • desconfiança,
    • depressão
  • Comportamentais
    • negligência ou perfeccionismo,
    • agressividade nas relações cotidianas,
    • perda da flexibilidade emocional, da capacidade de relaxar e planejar.
    • tendência ao isolamento, à perda de interesse pelo trabalho e outras atividades.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou,  em 2019,  a síndrome como uma doença ocupacional, mas o documento que coloca  burnout entre as doenças relacionadas ao trabalho só entrou em vigor  no dia 1º de janeiro deste ano.

Agora com CID-11, a doença passa a ser caracterizada como uma patologia que tem relação direta com o trabalho. E a OMS explica que o burnout é conceituado como o resultado de um estresse crônico proveniente do ambiente de trabalho que não foi tratado adequadamente. 

“ Burnout se refere especificamente ao fenômeno do contexto ocupacional e não deveria ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida”, destaca, em nota, a OMS

Gabriela Martins, estudante e fotógrafa, moradora do Buritis, região oeste de Belo Horizonte, conta que, em 2018, foi diagnosticada com burnout e transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Na época, Gabriela estudava durante o dia e trabalhava aos  fins de semana, conciliando o horário dos estudos para realizar os ensaios fotográficos.

Por um ano nessa rotina, ela começou a sentir alguns sintomas de burnout e conta como foi sua experiência.

“Eu neguei até o último momento, não queria aceitar que precisava de uma pausa. Fui para a terapia por intervenção, na época, do meu namorado e da minha irmã, que perceberam os sintomas e insistiram para me levar. A partir do primeiro mês de consulta com o psicólogo fui entendendo a minha situação e que precisava de um profissional para me ajudar”, conta Gabriela.

A estudante já apresentava sintomas do burnout e acredita que um dos sintomas mais fortes que sentiu foi a sensação de cansaço constante, tanto físico quanto mental.

“Na época, haviam momentos em que eu chegava a dormir cerca de 10 horas seguidas e acordava extremamente cansada, além das alterações de humor e falta de apetite”, explica.

No processo de tratamento, a parte mais difícil foi o processo de aceitação.

“Eu não queria aceitar que estava doente e que precisava de ajuda, então acabava guardando todo o peso dentro de mim. E perceber isso durante o tratamento foi muito difícil, assim como aprender a abrir mão de hábitos que não estavam fazendo bem a minha saúde”, relata.

Ansiedade e estresse

Em Belo Horizonte, segundo pesquisas do portal Smartlab, em 2020, o afastamento por transtornos mentais chegou a 3.000 pessoas. Por stress, 2220 pessoas foram afastadas, número que aumentou exponencialmente em comparação ao ano de  2012, quando a taxa de afastamento ficava entre   30 e 41  pessoas. 

Segundo um recurso no Jusbrasil, a ansiedade pode ser reconhecida como doença do trabalho havendo laudo que indique que o quadro desenvolvido tem relação direta com os colegas ou com o ambiente de trabalho.

A ansiedade é uma doença mental conhecida por demonstrar sintomas físicos, desde arritmias e dores no peito, a sintomas emocionais, como o medo, preocupação e angústia.  

Já o estresse ocupacional é normalmente reconhecido quando as pessoas têm sintomas que se apresentam emocional ou fisicamente, com um quadro de respostas ruins aos estímulos do ambiente de trabalho quanto às exigências do mesmo, comprometendo a capacidade do trabalhador. 

O tratamento indicado para ambas é o acompanhamento com o terapeuta e com o médico, que poderá dar dicas de como alcançar estabilidade mental e regularizar o nível de ansiedade e estresse no corpo. A prática de exercícios físicos também é recomendada para baixar níveis elevados.

Ler e Dort

A lesão por esforço repetitivo e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho são uma série de sintomas que podem atingir músculos, tendões, nervos e articulações, e são causadas ou agravadas por fatores presentes nos locais de trabalho.

O estudo Saúde Brasil 2018, do Ministério da Saúde aponta que o total de registros dos casos de Ler/Dort  cresceu 184% em relação aos anos anteriores, o que aumenta a atenção para a prevenção dessas doenças nos ambientes de trabalho.

O estudo ainda aponta que as profissões mais atingidas pelo conjunto de sintomas são: profissionais que atuam nos setores da indústria, comércio, alimentação, transporte e serviços domésticos/limpeza. Dentre estas, os profissionais que mais se destacaram com número de casos foram  os faxineiros, operadores de máquinas fixas,  alimentadores de linhas de produção e  cozinheiros .

“A LER e o DORT são danos decorrentes da utilização excessiva do sistema que movimenta o esqueleto humano e da falta de tempo para recuperação. Caracterizam-se pela ocorrência de vários sintomas, de aparecimento quase sempre em estágio avançado, que ocorrem geralmente nos membros superiores, tais como dor, sensação de peso e fadiga. Algumas das principais, que acometem os trabalhadores, são as lesões no ombro e as inflamações em articulações e nos tecidos que cobrem os tendões”, explica, em nota,  o Ministério da Saúde 

O Ministério da Saúde também indica a realização de ginástica laboral no local de trabalho, a criação de hábitos de pausas regulares durante o período de trabalho, a realização regular dos movimentos corporais, evitar horas extras e sobrecarga mental e a utilização de mobiliários ergonômicos, para que tais doenças e outras possam ser evitadas.

O ergonomista José Marçal Jackson Filho, pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo(Fundacentro), órgão governamental de Segurança e Medicina do Trabalho, explica, em nota, que as condições de teletrabalho também podem ser um agravante para o desenvolvimento de condições de ler e dort.

“As LER/Dort não se explicam apenas por condições fisiológicas. Em pessoas colocadas sob forte pressão, como no setor bancário, por exemplo, observam-se problemas musculoesqueléticos e de transtornos mentais”, afirma o ergonomista.

Há casos de exigência de mais produção das pessoas por estarem em casa. Ao mesmo tempo, convive-se com a inexistência de um lugar específico para o trabalho no espaço doméstico e com situações de interrupção características da vida familiar. Outro fato que pode ocorrer é o aumento dos mecanismos de pressão imposto pela gestão das empresas e instituições”, destaca a Fundacentro . 

O ortopedista Daniel Daniel Baumfeld, mestre e doutor em ortopedia e professor adjunto na UFMG,  explica o que são  LER e DORT.

“Hoje, entende-se que a Ler e Dort fazem parte de um conjunto de sinais ou sintomas que aglomeram doenças como tendinites, síndromes compressivas, sinusites articulares e dores articulares causadas por movimentos acima dos quais as articulações ou tendões tinham a capacidade de tolerar. Os sintomas normalmente são dor, aumento do volume das articulações ou tendões e, em alguns casos, vermelhidão, podendo chegar à limitação dos movimentos articulares ou das atividades dos tendões”, explica.

O ortopedista também explica o tratamento e ressalta sobre a LER e DORT serem condições que levam ao afastamento médico por invalidez.

“O maior ponto a se considerar é que, como não são doenças, e sim sinais e sintomas, os tratamentos são direcionados às doenças características dos sintomas apresentados. A LER e DORT, portanto, não levam à invalidez, são sintomas que levam a quadros específicos que, quando bem diagnosticados, podem levar a situações de ausência ao trabalho”, afirma o especialista.

Jornal Daqui BH

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