Por Samilly Melo
Desde 1701, o lugar inicialmente composto pela área rural nomeada de Fazenda do Cercado vem se transformando no bairro que hoje é chamado de Buritis, um dos polos imobiliários e universitários mais importantes da cidade de Belo Horizonte.
As denominações de todas as ruas que integram o bairro, assim como todas as outras do Estado, são propostas e protocoladas pela Câmara de Vereadores. Geralmente, os mesmos usam como critério a relevância de tal nome para aquela região. Como estes nomes são sugeridos individualmente pelos vereadores, é comum que ruas tenham nomes de pessoas que, em âmbito estadual, não sejam de grande relevância, mas que proporcionaram grandes feitos em regiões específicas. A população também pode sugerir nomes, que serão analisados pela Câmara. A única regra resguardada pela Lei n° 6.454/77 é a impossibilidade de atribuir nome de pessoas vivas a bens públicos, como neste caso, em logradouros.
O bairro Buritis é composto por 109 ruas, sendo 7 dessas classificadas como avenidas. As ruas que compõem o bairro, em sua maioria, são denominadas com nomes de pessoas, sendo responsáveis por 88,1% dos logradouros. Já o segundo bloco que mais se repete, mesmo contendo apenas 7 ruas, são os nomes que possuem origem indígena, como a Rua Igapó, localizada próxima ao Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH).
Cerca de 22% das ruas que homenageiam pessoas também trazem, ao nome, a profissão ou título que o homenageado conquistou durante a vida. Assim como a Rua Doutor Célio Andrade, outras também são nomeadas por seus títulos, como delegados, doutores, engenheiros, professores e vereadores.
As ruas possuem valor significativo na vida de quem as frequenta diariamente, mais do que apenas dar nome a uma rua por questões de protocolo, é necessário utilizar destes nomes para proporcionar a população a ideia de representatividade, contribuindo assim para a sensação de pertencimento geográfico.
É importante que cada CEP resgate a história do país, que os nomes atribuídos revelem os acontecimentos locais e nacionais, resgatando a memória de membros que contribuíram para a transformação local, aqueles que ajudaram de forma direta a população regional.
É comum que, no dia a dia, moradores e visitantes não atribuam significado concreto aos nomes das ruas, e a denominação se transforma apenas em um “nome de rua”, sem analisar exatamente as histórias e vidas que estão por trás de cada uma delas.
Viviane Avalone, moradora da Rua Maria Heilbuth Surette, revela que, mesmo morando há 18 anos no bairro, nunca buscou informações sobre quem é a mulher homenageada por sua rua, sendo um detalhe que passa despercebido durante a sua rotina. Já Rafaella Aguilar, moradora há quase três anos da Rua Geraldo Lúcio Vasconcelos, conta que mesmo possuindo curiosidade em saber quem era esta pessoa, nunca encontrou nenhuma informação na internet sobre o mesmo.
Segundo o professor e historiador Loque Arcanjo Júnior, não basta apenas atribuir estes nomes a endereços e dar visibilidade a eles por meio de bibliografias, é necessário promover debates na comunidade, estimulando-a a pensar e analisar as histórias. A associação de personalidades ou palavras a logradouros não deve ser separada da necessidade de críticas históricas, é necessário que elas não se reduzam apenas a memórias.
“Toda memória está conectada ao esquecimento, por isto a cidade deve ser pensada como espaço de lutas e diferentes significados culturais. É importante pensar as ruas como espaço público que toma sentidos também a partir das diferentes formas de apropriação por parte da população.”
Infelizmente, assim como a maior parte das ruas do bairro, pouco se tem de documentos oficiais sobre a vida e conquistas do professor que dá nome ao CEP mais importante do bairro Buritis. Mário Werneck de Alencar Lima nasceu em 1904, foi professor e diretor da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A antiga Avenida 1 foi renomeada em 1976 para Prof. Mário Werneck. Acredita-se que tal reconhecimento e denominação foi feita a partir de designação de seu amigo Aggeo Pio Sobrinho.
No decreto nº 3829, de 1980, que denomina uma das escolas de Belo Horizonte, a Escola Municipal Prof. Mário Werneck, o professor é descrito como uma vida que, durante suas atividades, serviu como exemplo aos jovens que frequentam as escolas da capital.
Sendo uma das 7 ruas que possuem nomes de origem indígena, a rua faz referência ao rio Itacaiúnas, localizado no estado do Pará. A bacia do rio foi explorada no século XVI, porém abandonada logo em seguida. Já em 1892, cerca de 300 anos depois da passagem dos colonizadores pelo rio, alguns exploradores franceses se encantaram pelo local, farto de castanhais, e na possibilidade de venda através da extração de castanhas-do-pará. Dando início ao povoamento do leito do rio onde hoje se localiza, por exemplo, a cidade de Marabá.
A palavra de origem indígena, E-tucai-uma, significa o lugar da castanha preta, produto muito presente no local.
Bartira de Miranda Mourão foi professora da escola pública mais antiga de Minas Gerais, a Escola Estadual Milton Campos. A professora dedicou-se ao ensino, promovendo aos seus alunos ensinamentos e valores através da educação.
Bartira foi homenageada em 1985, com a mudança de nomenclatura da Rua 46 para Rua Professora Bartira Mourão.
O imigrante sírio Moisés Kalil foi casado com Amélia Salum Kalil, com quem teve 5 filhos, sendo um deles Elias Kalil. Elias foi presidente do Clube atlético Mineiro de 1980 a 1985, sendo também um dos responsáveis pela construção da Cidade do Galo.
Além disso, Moisés Kalil é também avô do atual prefeito de Belo Horizonte, eleito em 2016, Alexandre Kalil (PSD).
A rua leva o nome do médico e deputado estadual de Minas Gerais em exercício durante os anos de 1963 a 1967. Meneccuci, filho de imigrantes italianos, também foi prefeito da cidade de Lavras, onde lutou ao lado do político Tancredo Neves pela federalização da Escola Superior de Agricultura de Lavras (Esal).
O médico faleceu em 1982, aos 68 anos, após passar mal depois de discursar em um palanque, em busca da eleição de seu genro Célio de Oliveira para a prefeitura da cidade. Sua família ainda possui grande influência na política da cidade.
Apesar de muitos movimentos que buscam o empoderamento feminino estarem em constante crescimento no país, a falta de representatividade feminina é um problema histórico e ainda atual. Esta invisibilidade também se faz presente em locais públicos. Segundo uma pesquisa feita pela organização Gênero e Número, em Belo Horizonte, as ruas com nomes femininos representam apenas 17,30%, enquanto os endereços com nomes masculinos representam 46,9% do total de ruas da capital mineira.
O bairro Buritis não se destoa das estatísticas, das 96 ruas do bairro que levam nomes de pessoas, apenas 17 delas possuem nomes de mulheres, representando assim apenas 17,7% do total de ruas batizadas com nomes próprios. A partir deste dado, é notório a percepção de que as ruas do bairro ainda não representam a sua população, pois segundo o último censo demográfico do IBGE (2010), as mulheres representavam mais da metade da população do Buritis, cerca de 52%.
Tal fato é reflexo de toda trajetória de nossa civilização, mulheres ainda enfrentam dificuldades para se tornarem relevantes e conquistar espaços predominantemente masculinos. Ainda segundo o professor do Centro Universitário de Belo Horizonte e doutor em história, Loque Arcanjo Júnior, a menor representação feminina nos logradouros do bairro reflete a sociedade machista do país. “As ações de mulheres que lutam diariamente e que apropriam destes espaços da cidade não estão presentes em “homenagens” cedidas pelo poder público”, ressalta o historiador.
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