Por Amanda Alves e Rafael Braga
A Lei 14402/22, de 8 de julho de 2022, instituiu oficialmente o Dia dos Povos Indígenas, a ser celebrado anualmente no dia 19 de abril. O projeto, apresentado pela deputada federal Joenia Wapichana (Rede), revogou um decreto-lei de 2 de junho de 1943, que estabelecia que essa data demarcava o então chamado “dia do índio”.
Pode ser que, para o senso comum, pareça quase irrisória a mudança de denominação que esta lei estabelece, porém, não é apenas a maneira de se referir a esses grupos que está incutida na utilização da palavra “índio”.
A importância da lei, segundo Avelin Kambiwá, mulher indígena do povo Kambiwá e moradora de Belo Horizonte há 30 anos, está na mudança de nome de uma data já cristalizada no imaginário do povo brasileiro que se estabeleceu utilizando um termo racista.
A palavra equivocada “Índio”, nos leva a uma reflexão do que realmente a palavra em si significa”. De acordo com Avelin, esse é um nome genérico que uniformiza e invisibiliza toda a diversidade de etnias e culturas que formam os chamados povos indígenas.
Ao extinguirmos essa denominação, assumimos o reconhecimento dessa diversidade que é parte essencial desses mais de 360 povos. Segundo Avelin, a mudança de nomenclatura para a data, é o símbolo de uma nova era, marcada pela obliteração de um “índio” folclórico e também pelo início do tempo dos povos indígenas, que se auto determinam, estão em todos os lugares e que transversalizam suas lutas.
A coordenadora de educação infantil da Escola Municipal Deputado Milton Salles (Jardim América), Dalila Fernandes, contou em entrevista ao DaquiBH que a escola está com uma série de programações para abordar a cultura dos povos indígenas. As atividades vão, desde a construção de brinquedos indígenas, contato com alimentos e pigmentos naturais utilizados para fabricação de tintas, até vídeos educativos contando histórias e lendas dos povos originários.
“É importante que esse conhecimento fique firme na memória das crianças para esse aprendizado ir se consolidando. A gente percebe que a criança também leva para as famílias o que tem aprendido aqui na escola, e se está levando é porque está sendo significativo, está fazendo sentido e estão conseguindo aprender a dimensão do que está sendo trabalhado.” Diz Dalila.
A professora de geografia da Escola Estadual Nossa Senhora Aparecida, Clarisse Faria, também conversou com o Jornal DaquiBH. De acordo com a entrevistada, a história e a cultura indígena são incorporadas nas disciplinas no decorrer de todo ano letivo, em especial nas disciplinas de ciências humanas, arte e literatura.
A educadora conta que na disciplina de geografia, está sendo montado este ano um mural com os diferentes povos indígenas que deram os nomes às ruas do centro da cidade de Belo Horizonte.
A professora diz, “Acredito que seja fundamental para a formação cidadã dos alunos o conhecimento dos povos indígenas e sua luta desde a colonização. Muitos povos foram dizimados e contam com uma porcentagem atual muito baixa da população brasileira.
É necessário toda a sociedade se sensibilizar com a causa indígena e entender suas necessidades para que seus direitos sejam protegidos. Acredito que ensinar sobre os indígenas não deve ser restrito a uma semana, mas durante todo processo educativo.
Importante inclusive para ter narrativas históricas com outros pontos de vista em relação ao padrão europeu predominante no currículo. No entanto, ter uma semana voltada para isso pode estimular que seja abordado o tema em todas as escolas.”.
No dia 10 de março de 2008, foi sancionada a lei 11.645, que determina que, em “estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.
A lei em si, indica um avanço quanto ao reconhecimento da importância de estudar e conhecer a história desses povos que sofreram violências diversas e extermínio por parte dos colonizadores e posteriormente por seus próprios concidadãos. A implantação no sentido prático, no entanto, ainda demanda esforços das instituições públicas para assessorar os professores e demais profissionais da educação nesta tarefa.
Em Belo Horizonte, pode-se destacar o trabalho dos Núcleos de Estudos das Relações Étnico-Raciais (NERER), que promovem encontros formativos mensais entre professores-multiplicadores da rede municipal e membros da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, da Secretaria e Fundação Municipais de Cultura, além de comunidades tradicionais, movimento negro, lideranças indígenas, pesquisadoras/es para aprofundamento teórico, socialização e reflexão sobre as práticas de promoção da igualdade étnico-racial realizadas pelas escolas e creches.
A pesquisadora Maisa Cristina Torres Dantas aponta, no entanto, que ao mesmo tempo que essa legislação evidencia um avanço para o currículo da educação básica, tanto o projeto, como o texto da lei e o parecer que o sustenta apresentam resquícios de visões datadas sobre os povos originários.
As professoras participantes desta pesquisa sugerem que uma maneira de incentivar e promover uma implantação maciça da lei seria incluir a temática indígena na formação (inicial e continuada) dos docentes que virão a compor o quadro de professores das redes públicas.
O que se pode afirmar é que a lei é importante por dar um passo além do que se apresentava até então, nas políticas públicas de incentivo à inclusão no currículo educacional acerca dos povos originários. Porém, somente ela não basta. É necessário um esforço de implementação que consiste numa extensão do preparo dos docentes, e dos recursos para consolidar esse caminho na direção de uma sociedade plural e mais justa.
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