Por Amanda Alves
A história de Pai Éden se mescla à trajetória de desenvolvimento espiritual de sua mãe. Há 55 anos, de acordo com o entrevistado, Mãe Terezinha foi iniciada no candomblé por Dona Ester, uma mãe espírita de terreiro de mesa. A umbanda de mesa branca é a prática da mediunidade espiritualista com base nos ensinamentos de Jesus e desenvolvida a partir das orientações de um ou mais guias espirituais. Dona Ester foi responsável por guiar Mãe Terezinha em sua primeira incorporação de Vovó Chiquinha, principal guia espiritual da casa. Aos 14 anos de idade, Pai Éden aflorou sua espiritualidade, guiado por sua mãe.
Tanto ele quanto ela já participaram de outras religiões, como a igreja católica e a evangélica Deus é Amor, até consolidarem a organização da casa de triagem espiritual, que acolhe filhos de todas as nações do candomblé.
Mãe Terezinha é natural de Manhuaçu, interior de Minas Gerais, e veio para Belo Horizonte aos 13 anos de idade para trabalhar como doméstica na casa de um coronel do exército. Logo, suas cinco irmãs e sua mãe também migraram para a capital. Mãe Terezinha se casou, então, depois de um tempo, com um militar da cavalaria da polícia e se mudou com a família do bairro Nova Cintra para a casa do bairro Palmeiras, onde hoje funciona o terreiro. Pai Éden tinha dois anos apenas e sua história de vida se cruza com o desenvolvimento do bairro Palmeiras, bem como do Buritis, bairro vizinho.
O crescimento dos bairros foi acompanhado por Pai Éden e Mãe Terezinha, que de repente viram a extensa área de mata e córregos do bairro Buritis ser tomada por obras e máquinas, se transformando rapidamente em uma paisagem predominantemente urbana. A relação dos praticantes da religião com o espaço rapidamente teve que se modificar. A realização dos rituais e oferendas teve que ser realocada, à medida que as construções avançavam na cena.
O Palmeiras, especificamente, é um bairro que se consolida a partir da instalação de uma família de estadunidenses na região , pertencente à igreja evangélica, que começa a realizar ações beneficentes para atender a população carente que se encontrava no entorno. A construção da igreja ainda permanece no bairro e esse grupo foi ainda fundador de uma escola na região. Pai Éden e Mãe Terezinha também participavam das ações da igreja. Importante apontar que o terreiro, desde sua fundação, nunca sofreu retaliações ou preconceito por parte da comunidade, pelo contrário, como Pai Éden salienta, o local é procurado pelos moradores como um lugar de acolhimento e aconselhamento, inclusive por pessoas praticantes de outras religiões.
Um panorama sobre a intolerância e a perseguição às religiões afro-descendentes no Brasil
É sabido que as religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, são as mais atingidas por ações de intolerância religiosa. O Relatório sobre Intolerância e Violência religiosa (RIVIR), que reuniu dados de 2011 a 2015 a partir de levantamento dos principais jornais escritos, portais de notícias virtuais e revistas de notícias jornalísticas dos 27 estados brasileiros, aponta que as religiões de matriz africana são as mais atingidas pela violência e pela intolerância no Brasil.
A invasão e a destruição deliberada de templos, agressões físicas e verbais a praticantes, ações de desrespeito e demonização das divindades cultuadas são exemplos de intolerância religiosa que atingem esse segmento e que estão presentes desde o período colonial. É o que aponta um artigo publicado na IX Jornada Internacional de Políticas Públicas, pelo graduando em Ciências Sociais da UFPI, Abimael Gonçalves Carneiro.
O desconhecimento, a desinformação e a interpretação equivocada acerca destas práticas religiosas são a força motriz do preconceito que gera retaliações e violências diversas a estes grupos religiosos. Ainda de acordo com Abimael, para desestimular e extinguir esse tipo de perseguição se faz preciso a criação de políticas públicas que garantam assistência a esse segmento religioso, de forma a contribuir para amenização do problema, através de ações práticas que propaguem conhecimentos adequados sobre a cultura africana e as religiões afro-brasileiras.
Neste panorama em que essas iniciativas são ainda esparsas e pouco praticadas, a existência e permanência de espaços como a Casa de Vovó Chiquinha são exemplo e inspiração para a organização social pautada na tolerância, no acolhimento e na convivência pacífica entre indivíduos e grupos de crenças diversas.
Sem comentários