Por Giullia Gurgel
O governo federal sancionou, em maio de 2021, a Lei nº 14.154, que permite a ampliação do número de doenças detectadas pelo Teste do Pezinho oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com o avanço da triagem neonatal, será possível abranger 14 grupos de doenças.
A efetivação da lei, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069), deverá seguir em cinco etapas, de forma gradativa, de acordo com o Ministério da Saúde.
Além disso, a Lei 14.154, estabelece a delimitação de doenças a serem detectadas pelo teste do pezinho e deverá ser fiscalizada regularmente, com base em comprovações científicas, considerando os benefícios do rastreamento ao tratamento precoce.
Deste modo, serão priorizadas enfermidades com maior predominância no Brasil, seguindo o protocolo de tratamento aprovado e com tratamento incorporado ao SUS.
Com a mudança, Minas Gerais passa a ser o primeiro estado do país a ampliar a relação de doenças a serem detectadas pela triagem neonatal. Em 2022, o governo do estado investirá cerca de 13 milhões de reais para essa ampliação, em um trabalho conjunto ao Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da Faculdade de Medicina da UFMG.
Para o geneticista Rodrigo Arantes, doenças que existem tratamento e que o diagnóstico precoce reduzem sequelas e mortalidade devem ser incluídas no teste do pezinho.
Um exemplo é a acidúria glutárica tipo 1, que o diagnóstico precoce permite que o paciente receba tratamento dietético com uma dieta com restrição de proteína de forma precoce (antes do surgimento dos sintomas) e pode evoluir sem sintomas ou apresentar sintomas bem mais leves.
“Nada adianta o diagnóstico precoce e a família não ter acesso a acompanhamento especializado e ao tratamento”, pondera.
Conheça a história do Théo
Théo tem 6 anos e, por falta de informação e acesso ao teste do pezinho ampliado, é portador da doença acidúria glutárica tipo I. A doença metabólica foi detectada após 17 meses de angústia e incerteza, com 1 ano e 10 meses de idade.
Acidúria Glutárica tipo I é uma doença genética rara do grupo de erros inatos do metabolismo (EIM), que é causada pela deficiência de uma enzima chamada glutaril-CoA desidrogenase (GCDH).
Há tratamento para a doença, sendo necessário o diagnóstico o mais cedo possível para ser tratada da melhor forma e manter a qualidade de vida da criança.
Os portadores desta enfermidade não conseguem digerir proteínas devido a alteração genética causada pela ausência da enzima GCDH. O acúmulo de substâncias nocivas ao organismo faz com que ocorra a danificação de uma parte do cérebro, chamado gânglio basal, que controla todo o movimento motor.
A jornalista Larissa Carvalho, mãe do Théo, conta como foi a longa espera pelo diagnóstico.
“Descobrir o diagnóstico foi uma saga. A gente já sabia que tinha algum problema quando ele tinha cinco meses, porque uma ressonância mostrou que ele tinha perdido neurônios, mas saber o porquê dele ter perdido neurônios é que era a grande questão”, explica.
Com a perda de neurônios, o Théo perdeu a capacidade de sentar, andar e falar. Ele não tem controle motor sobre o corpo e precisa de ajuda o tempo todo.
O que é e qual a importância do teste do pezinho?
O teste do pezinho detecta, de forma precoce, alterações no sangue do bebê que podem indicar doenças genéticas graves, até fatais, antes mesmo do aparecimento dos sintomas.
Segundo a Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, a partir do sangue coletado do calcanhar do bebê, é possível rastrear diversas doenças, como: o hipotireoidismo congênito (glândula tireóide do recém-nascido não é capaz de produzir quantidades adequadas de hormônios), a fenilcetonúria (doença do metabolismo) e as hemoglobinopatias (doenças que afetam o sangue- traço falcêmico e doença falciforme).
O diagnóstico de doenças pela triagem neonatal no estado era de até seis doenças congênitas, antes da ampliação. Já pela rede particular abrange mais de 50 doenças.
Segundo o geneticista e pediatra Rodrigo Arantes, é necessária a melhoria gradativa na especialização dos profissionais do Sistema único de Saúde (SUS).
“Falta para autoridades estruturar a rede de saúde, capacitação de profissionais, elaboração de diretrizes de tratamento para cada grupo de doenças para que os recém-nascidos tenham acesso rápido e garantido ao tratamento”, afirma.
Obrigatório por lei em todo o território nacional, todas as crianças recém-nascidas devem fazer o exame e a data ideal para a coleta de sangue é entre o 3º e 5º dia de vida do recém-nascido.
A campanha “Pezinho no Futuro”
A Campanha do Pezinho no Futuro é do Instituto Vidas Raras, que acolhe famílias com crianças e adultos com doenças raras para fornecer apoio. O instituto é responsável pelo recolhimento de mais de 620 mil assinaturas para a ampliação do teste do pezinho.
Larissa Carvalho abraçou a causa e se juntou ao projeto do instituto, com o apoio de vários artistas e mães que passam pela mesma situação.
“Eu me juntei a eles para conseguir as assinaturas. Não é pelo meu Théo. Pelo meu Théo não dá pra fazer mais nada. O meu Théo já está numa cadeira de rodas. É pelos que virão e são muitos. Um bebê a cada dois mil e quinhentos no Brasil ou vai ter a doença do Théo ou vai ter uma dessas outras doenças metabólicas, genéticas que vão comprometer a vida da criança se não for tratamento certinho na hora certa”, comenta.
Para a jornalista, a ampliação do teste do pezinho é necessária sob o ponto de vista humano e financeiro.
“Quando o tratamento começa a ser feito logo nos primeiros dias de vida, na época certa, que é na época do teste do pezinho, a chance da criança não ter sequela é acima de oitenta e seis por cento. Então é uma vida e é também uma economia pro estado. O sistema público não vai gastar com fisio, fono, TO, equoterapia, remédios, internações, não. A criança vai ter uma vida típica. Sem sequelas. E uma criança com vida típica, sem sequelas, é uma criança que não é cara pro estado”, explica.
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