Por Rafael Alef

Em março de 2021, os moradores do bairro Havaí, localizado na região oeste de Belo Horizonte, foram surpreendidos com o desmatamento de quase 1000 árvores próximas a Mata da Represa, Área de Preservação Permanente (APP) classificada como PA-1, a maior gradação de proteção ambiental no novo Plano Diretor de BH.

A ação faz parte da construção do empreendimento imobiliário Gran Egito e é encabeçada pela construtora Precon Engenharia. O projeto de um condomínio residencial com cinco torres e 240 unidades habitacionais no espaço de 12 mil metros quadrados foi recebido com revolta pela população do bairro.

Preocupados com a preservação da mata e de sua fauna e flora, moradores da região deram início ao movimento SOS Mata do Havaí, que atraiu apoiadores e cobertura midiática por grandes canais de comunicação.

Entre os principais parceiros, o Instituto Guaicuy SOS Rio das Velhas – associação civil de direito privado, sem fins econômicos, e de apoio ao Projeto Manuelzão da UFMG -, foi responsável por mover uma petição na justiça, deferida em junho de 2021, que determinou a paralisação completa da obra e confirmou irregularidades em sua medida de aprovação.

ATIVISMO E AÇÕES DE CONTENÇÃO

Para o agente socioambiental e líder comunitário na região oeste, Gladson Reis, a ação foi criminosa e deve ser investigada pela justiça. Em março, ele foi um dos responsáveis por convocar a primeira manifestação pública contra o empreendimento após receber denúncias de moradores e acompanhar a discussão sobre o assunto através de redes sociais.

Gladson também decidiu acionar o Ministério Público e defende que a sociedade não deve se calar diante de um corte dessa magnitude em uma área preservada. “Enfrentar a especulação imobiliária não é uma tarefa simples e requer coragem na tomada de decisões para lutar”, afirma.

De acordo com o líder comunitário, existe uma disputa de narrativas sobre a preservação da área e a divulgada pela construtora não é verdadeira. A criação de um suposto movimento social em defesa do desmatamento foi vista como forma de provocação. Segundo Gladson, o SOS Gran Egito é usado para defender a ideia de que o direito à moradia é mais importante que a preservação ambiental, e esconde os reais interesses econômicos da empresa.

“O que eles [Precon Engenharia] estão fazendo é usar de um problema social, criado por eles, para tentar justificar crimes ambientais”, explica.

Para Gladson, a construção de apartamentos a preço popular é importante, visto que moradores de origem humilde e que vivem na região não têm acesso a políticas públicas de habitação. Contudo, não devem ser construídos através do desmatamento de árvores e soterramento de nascentes.

No entanto, a necessidade e a luta em favor da preservação da área enfrentou divergências de posicionamento entre os moradores mais próximos. Segundo Fábio Margarida, morador da região com visão de frente para a mata, algumas pessoas acreditavam que a construção do condomínio poderia beneficiar a economia e a valorização do local.

Fábio discorda e acredita que a inclusão da grande quantidade de novos moradores deixaria a rua intransitável, demandaria um saneamento básico diferente e prejudicaria o ecossistema local, importante para drenagem hídrica e qualidade climática da região.

“A Precon não se preocupou ou conversou com os moradores. Simplesmente cortaram tudo, sem pensar nos tipos de árvores da área ou nas necessidades dos animais locais”, reflete.

Outra preocupação se dá com a dificuldade para notificar a construtora. Na decisão do juiz Rinaldo Kennedy Silva, da 2ª Vara de Feitos da Fazenda Pública de Belo Horizonte, ficou determinado que a Precon Engenharia adote as medidas necessárias de proteção do terreno para evitar processos erosivos.

Segundo Fábio, a construtora não é facilmente encontrada e ainda não deu início a ações para a contenção que são de extrema importância para os moradores da região. “Com a retirada das arvores o lote fica descaído. Se vier uma chuva mais forte, pode derrubar as casas embaixo”, pontua.

O PAPEL SOCIAL DE MORADORES E ALIADOS

Para manter a discussão em evidência e continuar chamando atenção para os desdobramentos do caso, os moradores por trás do movimento SOS Mata do Havaí mantêm perfis constantemente atualizados no Instagram e Facebook, além de grupos no WhatsApp em que são divulgadas todas as informações referentes ao processo.

A psicóloga, especialista em direitos humanos e ativista social, Neide Pacheco, é a principal responsável pela manutenção dos perfis e acredita que a colaboração entre os integrantes contribui para a divulgação da ação. “Nós construímos um acervo com fotos e vídeos feitos por moradores entorno da região”, explica.

Em abril, Neide presenciou tratores da construtora arrancando árvores da mata e por isso tem uma preocupação maior em registrar todos os acontecimentos, disponibilizando aparelhos eletrônicos quando não pode comparecer presencialmente para que nenhum registro das atuações seja perdido.

O líder comunitário, Gladson Reis, também reitera como a movimentação da população nas redes sociais, com compartilhamentos e curtidas, contribui para as vitórias da causa social. Gladson explica que o grande objetivo é que a área seja transformada em um parque ecológico e cultural, por isso, toda contribuição é bem-vinda.

No mês de junho, aliados do movimento se reuniram para a implantação de um mastro informativo com informações e direções sobre a Mata da Represa. A ação faz parte de várias atividades culturais do grupo, como a noite de cinema ao ar livre e o documentário “Isso aqui, o que é?”, que conta com depoimentos de moradores e imagens do desmatamento na área preservada.

O DaquiBH entrou em contato com a Precon Engenharia para comentários sobre o desmatamento de árvores na Mata da Havaí e a sentença determinada em justiça, mas não obteve respostas.