Por Paola Siman

O discurso de líderes políticos pode influenciar o modo como uma população age? Qual o efeito disso durante uma pandemia? Em busca de uma resposta para essas e outras perguntas, dois pesquisadores brasileiros e um argentino publicaram um artigo que indica que em cidades e regiões onde o presidente Jair Bolsonaro possui mais apoio, o isolamento social reduz após seus pronunciamentos.

No dia 22 de maio, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) divulgou um boletim epidemiológico dos casos de coronavírus por bairros na capital. Atrás somente do Lourdes, o Buritis, antes empatado com o Belvedere, é o segundo em número de casos em Belo Horizonte e o bairro com o maior número de infectados da região Oeste. No total, 33 casos foram notificados no bairro até o dia 10 de maio. O boletim completo pode ser acessado aqui.

Uma das razões para isso pode ser o comportamento dos moradores da região, que têm desrespeitado as orientações de distanciamento social.

IMPACTO DOS DISCURSOS

Enquanto o Brasil encontra-se com o general Eduardo Pazuello, interinamente, no cargo de ministro da saúde, depois das saídas dos médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, Bolsonaro continua a criticar o isolamento social e as medidas tomadas por governadores e prefeitos. O presidente defende a ideia do isolamento vertical e da imunização de rebanho, além do uso da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada, para curar pacientes com coronavírus.

Foto: Alan Santos/PR

O artigo “More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic” (Mais do que palavras: discurso dos líderes e comportamento arriscado durante a pandemia, em tradução livre), buscava medir o impacto dos atos do presidente diante dessa pandemia. Foram analisados dados do dia 1 de fevereiro, quando o novo coronavírus ainda  não era uma grande ameaça ao país, até o dia 14 de abril, quando o Brasil já tinha 1.552 mortes por Covid-19.

O estudo foi realizado através do cruzamento de dois bancos de dados: a geolocalização de 60 milhões de celulares em todo o país e os resultados eleitorais de 2018, divididos por municípios. As cidades foram divididas entre de apoiadores, onde o presidente teve a maioria absoluta dos votos já no primeiro turno, e não apoiadores.

Os autores apontaram que a primeira ocasião em que houve queda do isolamento social foi o dia 15 de março, quando Bolsonaro participou de uma manifestação em defesa de seu governo e tirou selfies com apoiadores. A segunda ocasião foi no pronunciamento oficial do dia 24 de março, em que o presidente disse que não havia necessidade de fechar escolas e que mesmo que fosse infectado não teria nada além de uma gripezinha, dado o seu “histórico de atleta”.

Nas duas ocasiões, os índices de isolamento social nas cidades bolsonaristas caíram de 5% até 20% em relação aos locais onde o Bolsonaro tem menos apoio.

Os pesquisadores puderam concluir que houve uma significativa queda do isolamento em um período de até 10 dias após os pronunciamentos do presidente, principalmente nos municípios em que ele teve mais votos. Eles destacam as mudanças de comportamento que os exemplos de um líder político podem causar em uma população, principalmente em tempos de uma pandemia tão grave.

O ISOLAMENTO NO BURITIS

De acordo com os dados do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), na eleição de 2018, o presidente Jair Bolsonaro foi eleito com 71,28% dos votos nas seções do Buritis, pertencente à Zona Eleitoral 332.

Para ter acesso a resultados mais locais sobre o isolamento, a equipe do Jornal DaquiBH realizou uma pesquisa no grupo de Facebook do Bairro Buritis sobre o impacto das falas do presidente na visão dos moradores acerca da quarentena.

550 moradores da região, tanto apoiadores quanto opositores do presidente, responderam a um formulário com questões relativas ao isolamento social e à postura de Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus. Além de avaliar o movimento do bairro durante esse período.

Quando questionados sobre a importância do isolamento social durante a quarentena, 62% dos moradores o considerou muito importante, 32% disse que era importante mas que haviam outras soluções melhores e 6% disse que o isolamento não é nada importante. Para 65,3% dos entrevistados, a OMS está certa e suas orientações devem ser seguidas, 24,1% acha que a OMS está errada e que a população deve seguir as ordens de Bolsonaro, e 10,6% não soube responder.

Ao avaliar o desempenho do presidente em relação a pandemia, a maioria (62,6%) considera ruim ou péssimo, 6,3% considera regular e 30,7% considera o desempenho do presidente da república bom ou ótimo.

Julio Emediato, morador do Buritis há 3 anos, faz parte da parcela que considera o desempenho do presidente ótimo. Para ele, o distanciamento é importante mas o isolamento só é necessário para os grupos de risco. Ele destacou algumas medidas tomadas por Bolsonaro que considera fundamentais no momento delicado pelo qual passamos: o auxílio emergencial, que na proposta inicial do governo era de duzentos reais e foi ampliado para R$600 pelo Congresso, programas de manutenção de empregos, disponibilização de crédito para empresas,  antecipação do 13º salário para aposentados do INSS e auxílio aos Estados e municípios.

USO DE MÁSCARA E ATIVIDADE FÍSICA

Com relação à movimentação do bairro, na opinião de Julio, a maioria das pessoas está respeitando as medidas de isolamento, assim como o uso obrigatório de máscaras.

Outra moradora, que preferiu não se identificar por receio de retaliações, no entanto, discorda. Ela está entre os 60% de entrevistados que afirmaram perceber um aumento da circulação de pessoas no bairro após as declarações do presidente Jair Bolsonaro.

“As pessoas estavam até se adaptando ao isolamento social, mas depois do pronunciamento de que era só uma gripe, que deviam voltar a trabalhar, o vírus se tornou esquerdista. Como se ele tivesse um partido político”, declara.

Para ela, o movimento aumentou drasticamente e nem todas as pessoas estão usando máscaras, que são de uso obrigatório em Belo Horizonte. “Não estão preocupados com a coletividade, levam a pandemia na brincadeira”, afirmou. Um dos locais que a moradora relata que há maior número de pessoas é a pista de cooper da Rua Henrique Badaró Portugal.

A equipe do Jornal DaquiBH retornou até a pista e registrou, mais uma vez, várias pessoas sem máscaras e desrespeitando o distanciamento social.

A situação no local se torna ainda mais grave quando consideramos as recentes descobertas da Universidade Católica de Leuven (Bélgica) e da Universidade de Tecnologia de Eindhoven (Holanda). Testes em túnel de vento comprovam que, ao caminhar ou correr, um indivíduo pode exalar ou inalar microgotículas contendo vírus num raio de até 10 metros de distância.

Os resultados mostraram que em uma caminhada moderada, a distância entre duas pessoas deveria ser de 5 metros. Entre corredores, o distanciamento necessário passa a ser de 10 metros. Isso significa que quanto maior a velocidade da atividade maior a distância necessária para garantir a segurança e evitar contato com partículas do vírus.

“NÃO FAÇAM O QUE DIZEM, FAÇAM O QUE EU FAÇO”

 A falas do presidente Jair Bolsonaro costumam ser bem diretas, mas às vezes o discurso pode ser bem sutil. A doutora em Estudos Linguísticos, com experiência em análise do discurso, e professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Giani David Silva, explica como funciona a influência do discurso político sobre a população. Confira a entrevista completa:

O discurso de líderes como Bolsonaro pode influenciar na opinião da população?

São vários fatores que se conjugam para que um discurso tenha força para influenciar a opinião pública. Entre eles e, talvez, o de maior importância, seja a autoridade de quem o pronuncia. Essa autoridade pode ser concedida pelo saber notório, pela formação, pela posição que ocupa ou pela conjunção desses fatores. Sendo assim, a fala de um líder político, investido de uma posição de liderança, pode ter sim grande poder de influência.

Bolsonaro saindo para lanchar em padaria, passear de lancha, etc, é uma forma de comunicação proposital com a intenção de levar o povo às ruas e quebrar o isolamento social?

Não só o que se fala tem poder de influenciar a opinião pública. Muitas vezes os atos influenciam de forma ainda mais efetiva. As ações do presidente Bolsonaro, ao não seguir as normativas de isolamento social para o enfrentamento da pandemia, se por um lado podem ser alvo de críticas de seus opositores, reforçam a adesão de seus apoiadores e podem sim, para aqueles que estão com medo das consequências financeiras ou que acreditam em seu “mito”, servir de justificativa para que não sigam as recomendações da saúde pública.

Quando um cidadão se torna político, suas ações no espaço público são ações políticas, seria ingênuo pensar que alguém que ocupa o cargo político de maior relevância no país não saiba do significado que seus atos, falas e exemplos possam ter sobre a população. A mensagem nesse caso é clara: não façam o que dizem, façam o que eu faço.

Os moradores do Buritis são predominantemente de classe média e com maior escolaridade. Teoricamente uma população mais intelectualizada. A própria Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte, responsável pela fiscalização da adesão ao isolamento, já disse enfrentar mais resistência em bairros cujos habitantes têm melhores condições econômicas. Como explicar a preferência dessa parte da população pelo discurso de Bolsonaro em detrimento das recomendações de cientistas?

A pandemia do novo coronavírus no Brasil transformou-se em mais um motivo para o embate ideológico que insistentemente o atual governo nos impõe. Assim, a ciência que está investida de autoridade para nortear os caminhos a serem seguidos, na tentativa de minimizar as consequências da pandemia, está sendo tratada como um posicionamento ideológico contrário aos planos socioeconômicos do atual governo. Nesse sentido, as pessoas que se afinam com o governo e priorizam essas metas socioeconômicas vão tapar seus ouvidos para a ciência, simplificando e banalizando a pandemia. Eles não agem ou falam pela razão, mas sim, pela crença na ideologia que guia a política bolsonarista.

Quaisquer medidas relacionadas ao isolamento social que forem adotadas serão questionadas quanto ao grau de eficácia. É certo que haverá recessão econômica, com projeções pessimistas para o PIB e desemprego, o que é chamada de segunda onda de impacto da pandemia (a primeira é a saúde). Feitas essas considerações, é uma estratégia do presidente já pautar seu discurso na segunda onda (já que a primeira já é presente) pensando, inclusive, em 2022?

Em relação a eleição de 2022, vejo sim que, ao priorizar as consequências econômicas da pandemia, questionando e contrariando as ações necessárias para minimizar o número de mortos, o governo deixa claro a sua preocupação com as eleições de 2022, aliás, já explicitada pelo próprio presidente. Vejo isso como uma aposta arriscada e, mais do que isso, me parece clara a necessidade, mais uma vez, de se colocar convicções ideológicas acima da triste realidade estampada pelas curvas ainda crescentes de mortes em todo país.

 Temos, em Belo Horizonte, um prefeito que assemelha o discurso de Bolsonaro em forma. Agressivo, direto. Passa um ar de arrogância. Contudo, altera-se em conteúdo, já que defende bandeiras opostas ao presidente. Esse discurso “menos político” do que o convencional é mais assertivo à população? Nos sentimos mais representados por esse diálogo?

O discurso contra política, paradoxalmente, norteou muitos candidatos nas últimas eleições, entre eles o Kalil e o Bolsonaro. Estamos passando por um desgaste da entidade “política”, que é muitas vezes confundida com o político. Para se mostrar menos político, muitos usaram a estratégia de não fazer rodeios, não usar palavras bonitas, ser mais “autêntico”. Com certeza, esse tem sido, no caso do Bolsonaro, sobretudo, um forte argumento de seus apoiadores, que acreditam que seu jeito pouco polido de falar é prova da autenticidade de seu caráter. Veja, é um senso comum que cega os olhos e tapa os ouvidos para o conteúdo do que está sendo dito, para uma escuta atenta e crítica fundamental para se avaliar as ações dos governantes eleitos.